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‘Ataque aéreo’: as lições da Segunda Guerra sobre resiliência

No filme “Ataque Aéreo”, estrelado por Bruce Willis, são relatados os cruéis e longos anos dos bombardeios japoneses à cidade de Chongqing, na China, que virou refúgio nas montanhas e a capital da guerra, na época. Na minha jornada pela China, não poderia deixar de salientar a importância histórica dessa terrível página da Segunda Guerra mundial. Por mais de seis anos, essa cidade foi atacada, mas resistiu, sobreviveu e é hoje  a maior do mundo em número de habitantes, além de rica e moderna.

Quando nos sentamos para escrever um texto, é natural que usemos a nossa imaginação para coisas boas, pois estamos relaxados, buscando inspiração, o que nem sempre é fácil. Mas como médico, não posso esquecer dos momentos difíceis que, assim como na guerra, envolvem vidas humanas.

A cirurgia bariátrica tem uma história complexa no que diz respeito à confiança e resultados. Mas podemos ficar tranquilos porque hoje, assim como a cidade de Chongqing, estamos bem seguros. O início desses procedimentos, que no Brasil se deu nos anos 1990, foi um bombardeio de problemas, pois não havia logística adequada de materiais, e os pilotos, ou cirurgiões, ainda tinham pouca experiência na técnica, acarretando trágicas e lamentáveis perdas. Assim também foi para o início da cirurgia cardíaca, transplantes e outras, mas era uma etapa necessária para mais tarde milhões serem salvos.

Independente de época, para quem sofre ou sofreu uma complicação da cirurgia bariátrica, o bombardeio é um dos piores que podemos imaginar. O paciente portador de obesidade mórbida, o que tem critério para ser um provável candidato à cirurgia, é um campo minado, o que chamamos de inflamado crônico. Já é sabido há tempos que seu organismo é atacado por diversas substâncias inflamatórias que vão afetando todos os seus órgãos. Portanto, somente deve ser submetido a um procedimento cirúrgico àqueles que estão bem-preparados do ponto de vista clínico e psicológico. Por mais segura que seja a cirurgia, diante desse cenário há riscos de uma complicação e esse bombardeio piorar muito.

A complicação pós cirurgia bariátrica é como a tragédia de Chongqing. A cidade chamada organismo é atacada o tempo todo por substâncias inflamatórias, toxinas, bactérias e fungos em uma proporção muito maior que em um paciente “magro”. Os bairros como fígado, sistema cardiovascular, rins e pâncreas que já não estavam bem conservados, logo recebem uma enxurrada de bombas 24hs por dia, 7 dias da semana. Eles desidratam com a falta de água. A comida é escassa pois o sistema digestivo muitas vezes não pode ser usado inicialmente para evitar um vazamento na área. A chegada de suprimentos, como antibióticos, antitérmicos e analgésicos é bem mais complicada na estrada do obeso, pois a enorme quantidade de tecido adiposo no caminho afeta diretamente a concentração e disponibilidade dessas substâncias para os cidadãos dessa cidade. A luta para sobreviver é intensa e por mais que os soldados, quero dizer médicos, lutem, esse bombardeio incessante ao organismo vai enfraquecendo todas as linhas de defesa que já eram frágeis. Nesse momento, é fundamental ter um general experiente no comando, para que aumentem as chances de a cidade não colapsar. Infelizmente às vezes não é possível, pois estamos falando de uma área que já estava comprometida mesmo antes da batalha.

A cidade chinesa sobreviveu. Ela resistiu e lutou bravamente contra todas as possibilidades de sua existência. Hoje, grande parte dos obesos que complicam também conseguem resistir e sair, mas assim como a cidade que teve que cuidar psicologicamente dos traumas de guerra e reconstruir cada pedacinho, o portador da doença obesidade que complicou, terá que vencer as sequelas físicas e psicológicas que enfrentou. Daí a importância de um bom preparo e de uma correta indicação de soldado, quero dizer paciente, para ir para essa batalha (cirurgia).

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