O tabuleiro político da eleição presidencial foi violentamente sacudido pelo anúncio da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) à Presidência da República. Ao inserir o filho mais velho na disputa sem articulação prévia com outros partidos, o ex-presidente Jair Bolsonaro enviou um claro recado de que seu clã não abrirá mão do poder tão facilmente e forçou os aliados de oposição a um dilema que pode redefinir os rumos da corrida ao Planalto — aceitar displicentemente a liderança da família sobre a direita brasileira e endossar o nome do senador, ou articular, por trás dos panos, um “plano B” sem a inegável força que o sobrenome do capitão carrega junto ao eleitorado.
Dentro e fora da família do ex-presidente, há favorecidos e prejudicados pela decisão. Afastada em definitivo da corrida presidencial, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL-DF) se consolida como candidata ao Senado pelo Distrito Federal e, com base em pesquisas eleitorais recentes, tem vitória dada como garantida. Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), “autoexilado” nos Estados Unidos, cede a candidatura ao irmão mais velho enquanto enfrenta graves acusações no STF por articular sanções junto à Casa Branca para interferir no julgamento contra o pai — além de estar na mira da Justiça, ele periga ainda perder o mandato na Câmara por decisão direta do presidente Hugo Motta (Republicanos-PB), que já declarou que o parlamentar pode ser cassado por excesso de faltas em sessões legislativas.
Apesar do ceticismo inicial em relação à candidatura de Flávio, dificilmente pode-se dizer que seu nome não é competitivo nas urnas. Com mais de duas décadas de estrada política, o filho “Zero Um” de Jair Bolsonaro preside a Comissão de Segurança Pública no Senado, é conhecido no país e passa ao largo da maioria das investigações contra a família na Justiça. “Flávio é político por excelência, um candidato forte com projeção nacional e bom trânsito entre os parlamentares. A eleição será apertada se o nome dele for mantido e, dado o estilo centralizador e combativo do clã Bolsonaro, é pouco provável que seja retirado”, avalia Alberto Carlos Almeida, sociólogo e cientista político.
Com futuro incerto, Tarcísio e Ratinho avaliam riscos de candidaturas
No campo do Centrão, a imposição do nome de Flávio atropela as negociações partidárias e abre margem para o fortalecimento de projetos políticos próprios. Em foco, estão as candidaturas (confirmadas e potenciais) dos governadores bolsonaristas, que podem ser rifadas ou revigoradas pelos partidos, a depender do desenrolar das negociações com o PL de Bolsonaro.
Nesta arena, quem joga com mais cartas na manga é o PSD. Presidido nacionalmente por Gilberto Kassab, que integra o gabinete estadual de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, o partido tem entre seus filiados os governadores Ratinho Júnior (Paraná) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) e comanda três ministérios no governo federal. “Tendo parte do partido com Lula e parte com Bolsonaro, o PSD pode aproveitar a oportunidade para negociar alianças e colher frutos eleitorais de todos os lados”, Marco Antonio Teixeira, cientista político da FGV.
A estratégia de Kassab para emplacar um aliado no Planalto, porém, encontra entraves na complexa malha das alianças estaduais. Apesar dos bons índices de aprovação no Paraná e do bom trânsito com empresários, Ratinho Júnior tem pouca projeção a nível nacional e chances muito mais robustas de garantir uma vaga no Senado — se arriscar uma candidatura presidencial com baixa probabilidade de sucesso, ele pode ficar sem cargo e perder influência em seu estado, enquanto o fortalecimento do nome rival de Sergio Moro (União-PR) ao governo paranaense ameaça a hegemonia regional do PSD.
Tarcísio, por sua vez, permanece como a grande incógnita da corrida ao Planalto. Nome favorito da direita fora da família Bolsonaro, o governador evita consistentemente entrar em rota de colisão com o ex-presidente, seu padrinho político cujo governo integrou entre 2019 e 2022, mas não demonstra grande entusiasmo em mergulhar de cabeça no apoio ao Zero Um — “O Flávio vai contar com a gente”, limitou-se a dizer, laconicamente, sobre a candidatura do senador. “A ambiguidade de Tarcísio é uma espécie de ‘beija-mão’ prévio de Bolsonaro enquanto se prepara para a disputa. Ele sabe que possui apoio entre o empresariado, e joga como alguém que está se apresentando ao país enquanto insiste que não é candidato”, avalia José Álvaro Moisés, cientista político da USP.
Outros governadores, que já haviam se lançado presidenciáveis antes do anúncio de Flávio, permanecem na corrida para fazer volume às “alternativas” ao bolsonarismo, mas têm pouca chance real de avançar ao segundo turno — ou sequer serem oficializados no primeiro. Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) tem boa aprovação entre o eleitorado local, mas é prejudicado pela fraca representação nacional de seu partido e, passados sete anos de gestão, ainda não conseguiu superar o estigma de “outsider” político. O goiano Ronaldo Caiado (União Brasil), por sua vez, é “raposa velha” da política brasileira e exerceu seis mandatos no Congresso, mas enfrenta a relutância de seu próprio partido, atualmente em federação partidária com o PP, em financiar uma dispendiosa campanha presidencial com pouca musculatura para vencer.
‘Racha’ na direita escancara interdependência entre Bolsonaro e Centrão
Diante do engarrafamento de candidaturas da direita, uma verdade é dada como consenso entre analistas: tanto a família Bolsonaro quanto o Centrão têm trunfos junto ao eleitorado, mas dificilmente venceriam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se jogassem isolados. “A disputa de 2026 coloca um dilema existencial para o bolsonarismo e escancara sua relação com o Centrão que é não só de interdependência, mas também de disputa de forças”, avalia Yuri Sanches, diretor de análise política da AtlasIntel.
Parte do imbróglio se deve ao alto preço cobrado pelo clã Bolsonaro para firmar alianças e, eventualmente, “ungir” candidatos fora do círculo familiar. Para caminhar com os Bolsonaros, é preciso embarcar veementemente e sem ressalvas na defesa de pautas de cunho ideológico, como a anistia aos condenados por golpe de Estado e o alinhamento incondicional aos Estados Unidos, que nem sempre repercutem bem entre eleitores menos radicais. “A família Bolsonaro se norteia por questões pessoais e não por um projeto de país. Condicionar o apoio do clã a esse ‘pacote’, que é rejeitado por boa parte do eleitorado, dificulta a formação de uma aliança entre o Centrão e o bolsonarismo raiz”, diz Juan Carlos Arruda, diretor-geral do Ranking dos Políticos.
O discurso ideológico ferrenho e irredutível da família Bolsonaro pode, inclusive, ser um tiro pela culatra que favorece candidaturas de “terceira via” entre o eleitorado que não se identifica nem como lulista, nem como bolsonarista. “A centro-direita pode se beneficiar da rejeição a Bolsonaro apresentando-se não como oponente do bolsonarismo, mas como alternativa, atraindo o eleitor mais moderado que votaria em Lula se o único adversário fosse um filho do ex-presidente”, diz Lucas Thut, diretor-executivo da Real Time Big Data.
Apesar dos desgastes, nome de Bolsonaro é capital valioso entre a direita
O grande trunfo de Flávio junto ao eleitorado é o capital político que carrega seu sobrenome. Mais do que qualquer nome de oposição, Jair Bolsonaro tornou-se o herói incontestável do antipetismo ao vencer as eleições de 2018, sem apoio da direita “tradicional”, com uma margem de mais de dez milhões de votos sobre Fernando Haddad, logrando a primeira derrocada eleitoral do PT em dezesseis anos.
A força da imagem de Bolsonaro é respaldada pelas sucessivas pesquisas eleitorais que indicam, sistematicamente, uma parcela entre 20% e um terço do eleitorado que votaria em qualquer candidato indicado pelo ex-presidente. “O bolsonarismo não está suspenso no vácuo. A família Bolsonaro é a principal força anti-Lula no país e personifica essa corrente de pensamento melhor do que qualquer candidato de centro-direita”, avalia o cientista político Rubens Figueiredo, diretor do instituto CEPAC.