O governo de Jair Bolsonaro mal tinha terminado quando o tenente-coronel Mauro Cid, então braço direito do capitão, verbalizou a interlocutores que apenas um projeto de anistia a médio prazo poderia livrar o antigo chefe das garras da Justiça. Se Donald Trump olhasse para o Brasil com olhos punitivistas, concluía Cid, tanto melhor. Poucos meses haviam se passado desde o diagnóstico do antigo ajudante de ordens quando, com a aplicação da Lei Magnitsky sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, os presidentes da Câmara Hugo Motta (Republicanos-PB) e do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) receberam recados de bolsonaristas de que, se não fizessem avançar um perdão generalizado aos acusados de golpe, poderiam amargar as mesmas agruras do juiz apontado como desafeto do ex-presidente.
Por diferentes razões – possível falta de votos e convicção de o STF não aceitaria calado o desfazimento completo das sentenças, por exemplo – a cruzada por uma anistia ampla, geral e irrestrita não foi levada adiante, mas o projeto de lei da Dosimetria, que calibra a pena de diferentes condenados pelos atos golpistas e que foi aprovado pela Câmara no último dia 10, é, de certa forma, uma vitória para Jair Bolsonaro. Os recálculos de sua pena ainda são preliminares, mas ela poderia baixar de 27 anos e três meses para cerca de 20 anos.
Os quatro meses aproximados em que cumpriu prisão domiciliar em outro caso (o do coagir a Justiça brasileira por meio do tarifaço de Trump) também poderiam abater o tempo total do capitão atrás das grades em pouco mais de um mês. Se o Senado der andamento ao PL da Dosimetria nos próximos dias, como prometido, o ex-presidente pode migrar para o regime semiaberto não mais de 2033, mas já em 2029.
Isso, por óbvio, não garante que Bolsonaro esteja de volta ao jogo político, já que ele está inelegível não só por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mas também em decorrência do gancho de oito anos imposto pela Lei da Ficha Limpa, mas o recoloca como virtual cabo eleitoral de peso para a direita depois das eleições de 2026. Ainda é cedo para afirmar que dentro de quatro anos o bolsonarismo ainda terá força semelhante à dos dias de hoje, mas é um cenário que não pode ser desprezado.
Até lá, a ideia de aliados do ex-presidente é martelar a cantilena de que Jair Bolsonaro apoiou o PL da Dosimetria pensando não no seu futuro propriamente dito, mas em condenados de menor calibre, como a cabeleireira Débora Rodrigues, conhecida como Débora do Batom e condenada a 14 anos pelos atos de 8 de janeiro de 2023 (cálculos preliminares mostram que, se o texto da Câmara for mantido, ela já poderia deixar o regime fechado).
Já entoado pelo senador e pré-candidato ao Planalto Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o discurso não precisa necessariamente ser verdadeiro, mas ajuda a manter a grei unida para o dia em que o capitão deixar a Superintendência da Polícia Federal em Brasília – seja em 2029, seja no longínquo ano de 2033.