00É momento histórico e somente o tempo dirá se o objetivo foi alcançado. Na quarta-feira 10, o governo da Austrália pôs em prática a ruidosa decisão de banir menores de 16 anos das redes sociais, sob pena de multas milionárias — que podem chegar ao equivalente a 170 milhões de reais — contra as empresas que não cumprirem a regra. Estão na mira nomes conhecidíssimos da paisagem de nosso tempo: Facebook, Instagram, Snapchat, Threads, TikTok, X, YouTube, Reddit e os serviços de streaming Kick e Twitch. A severidade deve chegar também ao ambiente de jogos on-line, como Roblox e Discord. Atentas e preocupadas com o bolso, sobretudo, parte delas teve de aprimorar tecnologias capazes de impedir o acesso de crianças, como os recursos de reconhecimento facial.
A decisão, a primeira no mundo de grande alcance, impõe cuidadosa reflexão. À primeira vista, soa radical — e, de fato, é aparentemente exagerada, como se o Estado devesse pôr a mão em tudo, o tempo todo. Há, porém, um quê de emergência compreensível, embasada por uma sucessão de estudos, com evidências científicas, sobre os danos de passar muito tempo diante de telas para quem mal começou a vida — o mundo a existir apenas nos reflexos azulados, nos reels e nos memes. É preocupante, sim. Em 2024, a ONU divulgou um dado estarrecedor: mais de 300 milhões de jovens sofreram exploração e abuso sexual on-line, enganados por adultos com quem fizeram “contato”, digamos assim, debruçados em smartphones. Entre 2019 e 2022, os casos de agressões psíquicas praticamente dobraram. “As telas estão destruindo a infância”, diz o psicólogo social Jonathan Haidt, autor de A Geração Ansiosa, best-seller em torno da hiperconexão, construído a partir de cuidadosa pesquisa. É preciso ainda outras camadas de investigações científicas e comportamentais, mas já não dá para tirar o bode da sala, e a cautela se impõe. A iniciativa australiana dá as mãos a esse incômodo, porque, como manda o chavão, é melhor prevenir do que remediar.

Diante das evidências de um certo mal-estar da civilização, de horas e horas debaixo do controle do que oferecem as redes sociais (veja o quadro), vários países adotaram medidas restritivas, principalmente nas escolas, onde os celulares foram proibidos. Portugal, França e Brasil seguiram esse caminho. Por aqui, o enfrentamento veio em janeiro, com o veto dos aparelhos nas escolas. Segundo pesquisa da Universidade Stanford, em parceria com a Frente Parlamentar Mista da Educação, a medida surtiu efeito: oito em cada dez alunos relataram maior concentração nas aulas, enquanto a maioria dos gestores e professores observou diminuição do cyberbullying.
Os resultados validam a tese de que limitar o acesso às telas em ambientes de formação traz benefícios concretos. “O livre acesso é tão perigoso quanto deixar uma criança perambulando pelas ruas sem supervisão”, diz Esther Colombini, professora do Instituto de Computação da Unicamp.
O caminho da Austrália, antes mesmo de virar lei agora em dezembro, inspirou autoridades de países como França e Dinamarca a seguirem trilha semelhante, embora menos rigorosas e apenas parcialmente estabelecidas, em determinadas regiões. “Desejamos uma tecnologia mais humanista”, disse o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, ao resumir passo corajoso sobejamente aplaudido por quem mergulha no tema. “A proibição da Austrália é uma proteção às crianças”, diz Antonia Brandão Teixeira, cofundadora do Movimento Desconecta, que defende o adiamento do acesso aos eletrônicos — com jogos, convivência e interações no mundo real.
Como para toda determinação vigorosa há sempre reação conservadora, não demorou para que na Austrália fizessem sucesso aplicativos à margem dos grandões, os mais conhecidos. “Houve imenso volume de downloads de ferramentas com política de usuários frouxa e verificação de identidade frágil”, diz Thiago Tavares, diretor-presidente da SaferNet, um grupo de controle de segurança. A estúpida resposta de quem quer fugir de responsabilidades, pensando apenas em dinheiro, é evidência de que algo precisa ser feito. Não se trata de privar os menores de ferramentas que podem ser úteis no futuro, não se trata de nenhuma postura insensata — especialistas em saúde mental, de mãos dadas com pedagogos, perceberam os danos da modernidade transformada em vício. Pede-se um freio de arrumação, e a experiência da Austrália pode trazer boas informações. Lá na frente, servirá de valioso guia.
Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2025, edição nº 2974
