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Nouvelle Vague: longa expõe bastidores peculiares de filme do Godard

O herói descolado de Jean-Paul Belmondo tenta ligar para a mocinha, mas não se lembra do número. Derrotado, vai ao bar, conta suas moedas e pede ovos com presunto e um jornal. “Corta”, diz o diretor Jean-Luc Godard. E confessa: “Isso é tudo, acabaram minhas ideias”. Uma diária como essa, que mal passou das duas horas de duração, era comum nas filmagens de Acossado (1960) — hoje, um clássico da nouvelle vague, ou nova onda, movimento liderado por jovens cineastas franceses entre os anos 1950 e 1960. Expressão máxima do improviso e do laissez-faire, o filme sobre um criminoso e sua amada também é fonte de anedotas hilárias, em especial as que desmistificam seu cineasta, de postura marcada por óculos escuros e rebeldia. Com olhar enternecido e bem-humorado, então, o diretor Richard Linklater elaborou sua própria versão dos bastidores: a charmosa comédia Nouvelle Vague, que chega aos cinemas na quinta-feira 18.

A trama captura o primeiro momento em que o cinema se tornou uma possibilidade fora dos grandes estúdios. Com câmeras portáteis e muita admiração pelo ofício, cineastas da época primeiro se organizaram como críticos — muitos filiados à revista Cahiers du Cinéma — e só depois foram criar. Assim surgiu um estilo de cinema pretensioso em discurso, mas despretensioso na forma, equilibrando ideais como a pertinência social com a precariedade técnica da guerrilha. Para explicar a proposta, a trama de Linklater pega emprestado uma máxima de Sartre: “Vamos provar que a genialidade não é um dom, mas um escape na hora do desespero”.

...E REALIDADE - Godard e seus óculos escuros: uma lenda do cinema
…E REALIDADE - Godard e seus óculos escuros: uma lenda do cinemaUllstein Bild/Getty Images

A atriz do filme original, Jean Seberg, acostumada aos sets holly­woodianos, passou bons perrengues nas gravações. Vivida agora por Zoey Deutch, é com ela que o público mais se identifica quando a personagem se irrita com as manias de Godard (no filme, o francês Guillaume Marbeck). O diretor era contrário até à presença de uma maquiadora — uma das poucas disputas que perdeu, cedendo à estrela de Acossado, que ainda assim se encanta por ele.

Com o mesmo deslumbramento e bom humor, Linklater retrata nomes como Chabrol, Truffaut, Varda e Demy como heróis do cinema. A nostalgia é agridoce — ainda que admirado, o modelo de trabalho dos diretores do movimento francês é hoje raro dentro do mercado. O próprio Nouvelle Vague custou quase 10 milhões de dólares e foi adquirido pela Netflix no exterior. Ao rir com os jovens modernos de outrora, em vez de ridicularizá-los, surge uma bela ode a tempos mais simples, quanto tudo que era preciso para fazer um filme podia ser “uma garota e uma arma”. Mais de sessenta anos depois, a “nova onda” ganha contornos cômicos, mas não perde seu frescor.

Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2025, edição nº 2974

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