O Brasil vive múltiplas crises que se retroalimentam de forma perigosa: crise da educação política e institucional, que compromete a qualidade do debate; crise fiscal, que ameaça paralisar o governo e deteriorar serviços essenciais; e crise da segurança, com o crime organizado expandindo sua influência territorial e econômica. Essa convergência de problemas estruturais apresenta semelhanças com o grave contexto vivido pela Espanha antes do histórico Pacto de Moncloa, de 1977.
O pacto aglutinou forças políticas, econômicas e sociais divergentes para enfrentar crise econômica severa, alta inflação, desemprego crescente e instabilidade institucional após a morte do ditador Francisco Franco. Sob liderança do presidente Adolfo Suárez, uniu setores diversos como conservadores, socialistas, comunistas, empresários e sindicatos, resultando em estabilização econômica fundamental e consolidação definitiva da democracia.
O sucesso desse pacto não se resumiu à superação da crise econômica imediata, mas demonstrou que conflitos profundos e aparentemente insolúveis podem ser encarados através de diálogo amplo, concertação institucional e compromissos responsáveis. A experiência provou que mesmo sociedades bastante divididas encontram caminhos comuns quando há vontade política genuína de minimizar diferenças em nome do interesse nacional.
“Mesmo sociedades bastante divididas encontram caminhos comuns quando há vontade política genuína”
O Brasil vive situação de complexidade comparável, embora com características próprias. O país sofre, sobretudo, de déficit crítico de diálogo. A polarização política extrema corrói a capacidade de construir pontes, transformando questões técnicas em batalhas ideológicas estéreis. Tais problemas entrelaçados e retroalimentados criam espiral de deterioração que exige resposta coordenada e urgente.
A gravidade demanda um grande pacto nacional estruturado em três etapas essenciais: diagnóstico claro dos problemas reconhecido por todos os atores, incluindo políticos, empresários e sindicatos; construção de soluções viáveis e pactuadas que transcendam visões partidárias e corporativas; e implementação com decisões concretas e públicas, monitoradas pela sociedade. Caberia aos presidentes dos Três Poderes liderar a articulação de grupo de trabalho amplo e plural. O envolvimento responsável do setor privado, motor do desenvolvimento econômico, e dos trabalhadores, que conferem legitimidade social às reformas, é condição indispensável. Essa articulação deve ocorrer sob compreensão de que a crise não será resolvida com medidas isoladas nem de curto prazo. Países que se recusam a enfrentar suas crises estruturais acabam condenados a repetir indefinidamente seus erros, perdendo oportunidades históricas de desenvolvimento.
A experiência espanhola demonstra que entendimento amplo e responsável é possível, desde que haja coragem política e responsabilidade cívica. O Pacto de Moncloa não foi apenas um acordo político e econômico, foi um verdadeiro pacto civilizatório que permitiu à Espanha ingressar no grupo das democracias consolidadas e desenvolvidas. O Brasil tem condições de fazer movimento similar, mas precisa sair da paralisia política e social. Uma construção dessa natureza exige que as forças políticas e sociais reconheçam que os desafios do país são maiores que suas diferenças particulares e que o futuro da nação depende da capacidade de agir coletivamente em momentos decisivos como este.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949