Enquanto a Justiça italiana analisa pedido de extradição da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), a deputada distribui uma espécie de “dossiê” com informações sobre o processo que culminou com condenação imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a dez anos de prisão por invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o hacker da Lava-Jato, Walter Delgatti Neto. Ao deixar o Brasil no final de maio último, a parlamentar havia afirmado ser intocável na Itália por ser cidadã daquele país. No entanto, conforme já noticiado por VEJA, Zambelli pode ser extraditada mesmo na condição de italiana, o que a nota técnica divulgada por ela reconhece.
Diferente da Constituição brasileira de 1988, que barra envio de cidadãos nacionais para fora, a Carta Magna italiana permite extradição de italianos. “Atualmente, Carla Zambelli encontra-se fora do Brasil e portando cidadania italiana, circunstância que insere componentes internacionais ao caso. Em entrevista, Zambelli chegou a afirmar que ‘não me tiram da Itália’, alegando-se protegida de extradição por ser cidadã italiana. No entanto, conforme será exposto, tal situação não garante imunidade absoluta, visto que a Constituição Italiana (art. 26) permite a extradição de nacionais se prevista em tratado internacional – ressalvada a hipótese de crime político”, diz trecho do documento que não é assinado por nenhum advogado.
A nota técnica tem menos de dez páginas e cita, por exemplo, cerceamento de defesa “decorrente da impossibilidade de produzir provas essenciais”. “Um primeiro aspecto foi a não realização da oitiva de uma testemunha-chave, o sr. Thiago E. M. Santos, arrolado pela acusação mas não encontrado para intimação. A defesa ressaltou que essa testemunha, quando ouvida em etapa anterior, ‘colocou em xeque as declarações de Walter Delgatti Neto’ no tocante à participação de Zambelli, reforçando a tese de que ela não teria aderido à empreitada criminosa”, diz trecho do documento. Ao pedir que o STF ouvisse a testemunha, o documento cita que o relator, ministro Alexandre de Moraes, rejeitou o pedido por não ver necessidade.
O documento segue afirmando ainda falta de duplo grau de jurisdição, mecanismo jurídico que define possibilidade de uma decisão ser avaliada novamente por uma Corte superior, o que não ocorreu no caso de Zambelli. A deputada, no entanto, teve processo analisado no STF por ser beneficiária do foro privilegiado.
Outro ponto citado no documento é a condição carcerária brasileira. Com diversos locais de custodiados lotados e sob domínio de organizações criminosas, a defesa técnica de Zambelli apela às autoridades italianas por permanecer na Itália, em caso de extradição determinada.
“Uma preocupação premente, especialmente considerando a possibilidade de execução provisória ou definitiva da pena imposta, diz respeito às condições carcerárias brasileiras e os riscos que elas representam aos direitos humanos básicos de qualquer pessoa custodiada, inclusive da sra. Zambelli. É notório, e amplamente documentado, que o sistema prisional do Brasil enfrenta uma crise humanitária crônica, caracterizada por superlotação, violência endêmica, insalubridade e práticas generalizadas de tortura e maus-tratos. Relatórios nacionais e internacionais convergem em apontar violações sistemáticas nas prisões brasileiras, em claro descompasso com as normas constitucionais e tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário”, diz o documento.
Há citação também ao caso do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que fugiu para Itália depois de ser condenado na Ação Penal 470, que ficou conhecida nacionalmente como “Mensalão”. Apesar de ser cidadão italiano também, Pizzolato foi deportado por ter entrado no país europeu com passaporte falso. O nome que constava no documento era de seu irmão morto na década de 1970. Para a defesa técnica de Zambelli, na ocasião de deportação de Pizzolato, a Justiça italiana reconheceu a precariedade das prisões brasileiras.
Na semana passada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse esperar a extradição de Zambelli o mais breve possível. Ele citou o terrorista italiano Cesare Battisti como exemplo para comparar o caso de Zambelli. “O Brasil extraditou o Cesare Battisti para a Itália”, disse ao esperar reciprocidade. No entanto, o assassino italiano permaneceu anos livre no Brasil por ser aliado de políticos de esquerda. Nos últimos dias do segundo mandato de Lula na Presidência da República, o petista concedeu asilo ao criminoso.
Só em 2018 a permanência em território brasileiro foi revogada pelo então presidente Michel Temer e o STF determinou a extradição. No entanto, Battisti fugiu e foi capturado por autoridades bolivianas e enviado para Itália sem retornar ao Brasil. Hoje, o criminoso cumpre prisão perpétua por participação em assassinatos no país europeu. “Esperamos que a Itália extradite essa senhora o mais breve possível”, concluiu Lewandowski.