A cada inverno, Nova Délhi volta a aparecer no topo dos rankings das cidades mais poluídas do planeta.
A chegada do frio intensifica o fenômeno de inversão térmica e faz com que a nuvem de partículas tóxicas fique presa rente ao solo, transformando a metrópole de quase 30 milhões de habitantes em uma câmara de intoxicação a céu aberto.
Os efeitos se fazem sentir rapidamente: escolas fechadas, hospitais lotados e uma população que, ano após ano, respira o ar mais contaminado do mundo.
Apesar da gravidade, pouco mudou na última década, e 2025 confirmou esse padrão. Em novembro, os índices de poluição voltaram a atingir níveis classificados como “perigosos” por organismos internacionais.
Segundo estimativas recentes publicadas na The Lancet Planetary Health, mais de 2 milhões de indianos morreram em 2023 por causas ligadas à má qualidade do ar.

O que está por trás da nuvem tóxica
Embora os incêndios agrícolas sejam frequentemente apontados como vilões, eles são apenas parte de um ecossistema muito mais amplo de poluição. O trânsito urbano, as fábricas, as usinas a carvão, a construção civil e até fogões domésticos alimentados a lenha ou carvão têm peso determinante na degradação da atmosfera.
Estudos do Indian Institute of Tropical Meteorology mostram que o impacto das queimadas varia de ano para ano — e, mesmo nos períodos mais críticos, é superado pela contribuição do transporte rodoviário. A complexidade do problema torna praticamente impossível apontar um único culpado.
Dados adicionais do Centre for Science and Environment corroboram a tese: em dias de pico, carros, caminhões e motos podem responder por mais de 50% da poluição por partículas finas na capital.
Tecnologia ineficaz e desinformação
Pressionado pela opinião pública, o governo local passou a adotar medidas emergenciais. Em 2025, tentou-se induzir chuva artificial para “lavar” o ar — sem resultados consistentes.
Também se investiu pesadamente em torres de purificação, estruturas gigantescas cujo funcionamento é contestado pela comunidade científica, e que já foram descritas pela imprensa indiana como “elefantes brancos”.
A confiança nos dados oficiais também se enfraquece. Reportagens da imprensa local mostram divergências entre os sensores públicos e medições feitas por cidadãos no mesmo horário e local. O resultado é um ambiente de incerteza informacional que agrava a sensação de abandono.
O custo para a saúde — e para a economia
A poluição por partículas ultrafinas (PM 2.5) é o ponto mais crítico da crise. Com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros, essas partículas penetram profundamente nos pulmões e podem acessar a corrente sanguínea, aumentando o risco de doenças cardiovasculares e respiratórias, além de vários tipos de câncer.
A OMS recomenda um limite anual de 5 microgramas por metro cúbico. Na Índia, o padrão oficial é oito vezes maior — e ainda assim raramente cumprido.
O impacto é econômico. O Banco Mundial calcula que a perda de produtividade e os gastos médicos relacionados ao ar tóxico custaram ao país 1,36% do PIB em 2019. Cidades antes consideradas “refúgios” — como Bangalore, Chennai e Shimla — também registram deterioração acelerada da qualidade do ar.
Uma pesquisa recente com 18 mil moradores da região de Délhi revelou que, em apenas quatro semanas, 80% das famílias tiveram ao menos um integrante com sintomas associados à poluição, como dores de garganta, cefaleia e dificuldade para respirar.
Máscaras, purificadores e o limite das soluções individuais
Com o Estado incapaz de fornecer respostas estruturais, a população busca alternativas. A venda de purificadores de ar e wearables “antipoluição” disparou. No entanto, especialistas apontam que esses dispositivos têm eficácia restrita — funcionam apenas em ambientes fechados e a preços inacessíveis para a maioria.
Máscaras seguem como a única proteção realmente comprovada, mas a adoção é baixa, seja por fadiga pós-pandemia, seja por barreiras culturais.
Como a Índia se compara ao resto do mundo
Segundo o levantamento global da IQAir, cinco das dez cidades mais poluídas do planeta em 2024 estavam na Índia. Délhi, invariavelmente, lidera essa lista. No entanto, quando se considera a taxa de mortalidade por poluição, o país não aparece entre os piores — o que revela um problema mundial mais amplo.
Dados da ONU mostram que a taxa de mortes atribuídas à poluição por partículas finas chega a 250 por 100 mil habitantes no Egito e 150 no Iraque. A Índia registra 91 — ainda assim, um número alarmante.
Medidas estruturais: as promessas que podem fazer diferença
Apesar de iniciativas ineficazes, algumas frentes podem alterar o cenário a médio prazo.
O governo de Délhi estabeleceu metas agressivas para eletrificar toda a frota de ônibus até 2028 e obrigar empresas de táxi e delivery a operar exclusivamente com veículos elétricos até 2030. A medida, se cumprida, pode reduzir de forma significativa as emissões.
Especialistas afirmam, porém, que avanços reais dependem de uma combinação de fatores: revisão dos padrões nacionais de qualidade do ar (atualmente defasados desde 2009), investimentos robustos em transporte público, regulação mais rígida sobre usinas a carvão e incentivos para práticas agrícolas menos poluentes.
Sem um esforço coordenado entre o governo central e os estados vizinhos, alertam pesquisadores, a capital continuará vivendo sob uma nuvem tóxica permanente.