“Numa cultura acostumada a esperar anos para ver um tapete ficar pronto, o jogo pode demorar décadas”, disse certa vez um líder árabe que observava a teia tramada pelo Irã para virar uma potência militar, projetar poder além de suas fronteiras e, em última instância, intimidar ou destruir Israel. No comando de plano estratégico de longo alcance, estava Ali Khamenei.
Astuto, vaidoso, com cabeça de estrategista e obsessão pela vitória xiita, ele construiu um Irã que parecia triunfante, próximo da Rússia, a quem fornecia drones para bombardear a Ucrânia; da China, a quem abastecia de petróleo para furar as sanções do mundo ocidental, e de outros atores menores, e cercado de aliados regionais que lhe prestavam vassalagem.
Essa mentalidade teceu o arco xiita, um prodígio para o ramo minoritário da religião muçulmana, mais acostumado a ser perseguido do que a predominar. Os Estados Unidos ajudaram, com a lei das consequências imprevisíveis: ao invadirem o Iraque, tiraram do tabuleiro um dos maiores inimigos do Irã, Saddam Hussein.
A parcela xiita se viu livre da tirania e, em vez de aderir a ideais democráticos como imaginavam romanticamente alguns estrategistas americanos, contribuiu para a ascensão dos xiitas, tanto na política convencional quanto nas milícias que hoje agem livremente Iraque. No Líbano, o Hezbollah se tornou a força dominante. Na Síria, a intervenção do Irã sustentou um regime que parecia condenado. Em nome dos interesses mútuos e do ódio a Israel, Irã e Hamas, que segue o islamismo sunita e havia apoiado a rebelião síria, se reconciliaram. Até no Iêmen o longo braço do Irã alcançou, armando os rebeldes hutis que conquistaram a maior parte do país.
SUCESSÃO GARANTIDA
Internamente, as manifestações de protesto que eclodiram depois da morte de uma jovem presa por mostrar uma mecha de cabelo foram sufocadas com os habituais e brutais métodos repressivos. E nenhuma força parecia capaz de desviar os esforços do regime iraniano no projeto de produzir armas nucleares – ou chegar tão perto delas que poderia fazê-las tão logo fossem consideradas admissíveis.
Ali Khamenei poderia dizer que seu tapete estava chegando perto de um fim bem sucedido, inclusive com a possível sucessão garantida para seu filho Mojtaba – nada muito xiita, mas os princípios podem ser maleáveis quando você tem a palavra final em assuntos religiosos, políticos e militares.
Esse era o mundo em que Khamenei dominava até 6 de outubro de 2023. Quando o Hamas atravessou a fronteira de Gaza com Israel para trucidar 1,2 mil pessoas, esse mundo começou a desabar. Israel sentiu na carne o que acontecia quando contemporizava com inimigos. Por trás deles, estava a mão cheia de anéis do aiatolá – usar joias de prata e pedras semipreciosas é remetido ao profeta do Islã. O aiatolá não movimenta o braço direito, gravemente ferido num atentado interno com uma bomba escondida dentro de um gravador, em 1981, mas é perfeitamente capaz de fazer jogadas estratégicas.
Atacar ou não o Irã sempre foi objeto de discussões intensas em Israel, mas os argumentos contra acabaram depois da carnificina do Hamas.
Foi uma questão de esperar o momento certo para chegar ao quadro atual, com Khamenei e família escondidos num bunker, o que não é nenhuma garantia de que não possam ser alcançados, e os Estados Unidos brincando de gato e rato, disseminando que pode entrar na guerra. Praticamente todos os integrantes do círculo mais próximo de Khamenei foram explodidos em apenas cinco dias – e alguns de seus sucessores também. O chefe do Estado-Maior foi morto no dia 13; o substituto, nomeado por Khamenei, um discípulo fiel, sobreviveu quatro dias. A sede secreta do comando das Forças Armadas, no interior do país, preparada para escapar de um ataque do tipo, foi junto.
GUERRA PSICOLÓGICA
Nunca os integrantes da cúpula iraniana imaginariam o nível de informação, de destruição e de ousadia que Israel está demonstrando ter. Interromper a cadeia de comando é uma tática com alto poder de desorganização das fileiras inimigas, ainda mais quando tudo tem que passar pelo crivo final de um homem de 86 anos.
Israel também usa de técnicas de guerra psicológica. Foi o que fez Benjamin Netanyahu quando se recusou deliberadamente a descartar a possibilidade de matar Khamenei. O ministro da Defesa, Israel Katz, disse que o aiatolá poderia terminar como Saddam Hussein, condenado à forca depois de ser achado se escondendo num buraco na areia.
O aiatolá é venerado por milhões de iranianos que continuam a apoiar o regime islâmico xiita, numa proporção impossível de ser cravada. E a capacidade de retaliação do país não pode ser subestimada. A área mais sensível de todas está na logística do petróleo, a facilidade com que o estreito de Hormuz pode ser bloqueado, interrompendo o fluxo de 20% da produção mundial do combustível.
Seria uma vingança suicida: o Irã também se arruinaria. O homem que há mais de 35 anos tem a palavra final em tudo e, pela lógica do extremismo religioso, tenderá cada vez mais a ações extremas. Pode ser que Donald Trump esteja pensando em impedir que ele chegue até lá. Pode ser que tenha outra alternativa na manga, embora possa ser afirmado com razoável grau de certeza que o líder supremo jamais aceitará a alternativa de desmantelar o programa nuclear com o qual ele pretendia tornar o Irã inexpugnável.
Mas depender de Trump é uma humilhação final para Khamenei. O presidente americano ainda trolou, dizendo que o aiatolá não iria ser morto “pelo menos por enquanto”. O tapete que deveria ser uma obra de arte do eixo do mal está chegando ao fim cheio de furos.