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‘Colocaram carroça diante do burro’: Antonio Fagundes sobre volta à Globo

Galã de novelas que ajudaram a escrever a história da teledramaturgia brasileira, Antonio Fagundes, 75 anos, segue rompendo fronteiras. Depois de décadas como um dos grandes nomes da TV aberta, o ator agora se destaca também no streaming. Em Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, da HBO Max, ele vive o jurista Evandro Lins e Silva em uma caracterização tão precisa que surpreendeu até a si mesmo: “Não imaginava que ficaria tão parecido com ele”. Enquanto a série repercute, Fagundes está em Portugal com a peça Dois de Nós, que chega a São Paulo em janeiro, e negocia um possível retorno à Globo. À coluna GENTE, o ator revelou já ter aceitado o convite de Walcyr Carrasco para Quem Ama, Cuida, prevista para 2026. No entanto, ressalta que ainda precisa acertar detalhes com a Globo, de onde saiu, segundo ele, após uma “quebra de contrato”.

Já conhecia a participação do Evandro no julgamento? Acompanhei o caso na época em que aconteceu, e o Evandro sempre foi uma figura muito conhecida no Brasil, politicamente ativo, um jurista brilhante. O julgamento chamou atenção na época, e a participação dele foi uma surpresa. Primeiro, por ele ter aceitado esse tipo de trabalho; segundo, porque todos sabiam que ele faria algo inusitado. E fez. Criou uma figura jurídica que acabou prejudicando o feminismo por muitos anos: a tese da defesa da honra. Isso praticamente absolveu o Doca e mudou os rumos do julgamento.

O que ainda surpreende o senhor na hora de escolher um personagem? Depois de interpretar Deus duas vezes, fica difícil falar em surpresa (risos). Mas o mais divertido é justamente brincar. Em outras línguas, o verbo é “jogar” (to play) e isso tem tudo a ver com a nossa profissão. O decisivo para mim é poder me caracterizar, me transformar. Por causa do naturalismo das novelas, deixamos um pouco de lado essa “fantasia”. Em Ângela Diniz, retomei isso. Ouvir que as pessoas não me reconheceram foi prazeroso, porque significa que o personagem está à frente.

O senhor tem uma história importante na teledramaturgia e agora está no streaming. Como enxerga esse crescimento do setor no Brasil? Acho importante competir com essas novas plataformas, é outra forma de comunicação. Mas não dá para abrir mão da TV aberta. Ela ainda tem um alcance que nenhum streaming consegue. Quando dizem que um programa com 30 pontos de audiência é “baixo”, estão fazendo a conta errada. Trinta pontos do Ibope equivalem a cerca de 60 milhões de pessoas. Nenhum streaming, nem nos Estados Unidos, chega a isso.

A comparação com o passado atrapalha? Acho equivocada. Mesmo com mudanças de hábito, ainda falamos de 40, 50 milhões de espectadores num produto de TV aberta. Em streaming, um grande sucesso chega a seis, sete, dez milhões.

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O remake de Vale Tudo repercutiu bastante. O que achou da nova versão e, especialmente, do Ivan? Eu não acompanhei a novela, mas falei na época: é sempre arriscado refazer uma obra icônica. Vale Tudo marcou época, desde a estreia até as reprises. A dramaturgia, o tema, tudo o que Gilberto Braga e sua equipe criaram, foi muito bem-feito. Quando você refaz algo que deu muito certo, a comparação é inevitável e até covarde. Fiz A Viagem (1994), que também é um remake, mas da versão da Tupi, e ninguém tinha acesso à obra original. Hoje, com o streaming, as pessoas colocam uma cena original ao lado da nova. Isso torna tudo mais delicado.

Muito se comenta sobre sua possível volta à Globo. Em que pé estão as conversas? Tive conversas muito queridas com o Walcyr Carrasco e com a Amora [Mautner]. Artisticamente, está tudo bem; gosto muito da possibilidade. Mas ainda há muito a conversar. Acho que eles colocaram a carroça diante do burro.

Por que saiu da Globo? A minha razão foi porque eles quebraram o acordo que mantive durante 44 anos. Eu gravava nas segundas, terças e quartas, já que nunca parei de fazer teatro. Quando a Globo não quis mais, eu saí. E agora esse acordo precisa ser restabelecido. Parece possível, mas ainda há outras questões a acertar.

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Ainda gosta de fazer TV aberta? Eu gosto da minha profissão. Fiz mais de 50 longas, mais de 40 peças, produzo teatro e cinema, fiz cerca de 30 ou 40 novelas, minisséries, seriados. Gosto dos desafios e dos personagens que me permitem brincar. Atualmente, estou no ar com três trabalhos: A Viagem, Terra Nostra e Rainha da Sucata. São propostas completamente diferentes, e isso me deixa muito feliz.

Revê seus trabalhos antigos? Gosto muito. A gente esquece como gravou determinada cena, por que escolheu certo caminho. Assisto como público, e é muito divertido.

O senhor já trabalhou várias vezes com a família: filho, esposa, ex-esposa. Quais são os prós e contras? Isso é uma história antiga, tem mais de dez anos. Mas o grande segredo é se dar bem. Quando há uma boa relação, ótimo que seja família além de tudo.

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Em Bom Sucesso, o senhor trabalhou com Grazi Massafera. Ela comentou recentemente que passou por dificuldades com alguns colegas veteranos. Como foi sua experiência com ela? Não aconteceu comigo. Tenho profundo respeito pela Grazi como atriz. Trabalhar com ela foi um prazer enorme. Em Bom Sucesso, ela fez um trabalho delicado, atenta aos detalhes. É disciplinada, excelente companheira de trabalho. Só tenho boas lembranças.

O ano que vem é eleitoral. Quais são suas expectativas no campo da artes em cenário polarizado? O problema do Brasil é que a cultura nunca foi prioridade. De 1500 para cá, nenhum governo se preocupou seriamente com isso. Sem cultura, o país rema para trás. Estou em Portugal e vejo a importância das telenovelas brasileiras aqui. Somos recebidos como representantes da cultura brasileira. No Brasil, chamam a novela de “gênero de segunda categoria”, mas aqui elas são celebradas.

O que acha da discussão sobre “atores influenciadores”? Já tivemos essa mesma polêmica com modelos. E eu dizia o mesmo que digo hoje: o mercado seleciona. Muitos modelos viraram excelentes atores. O Paulo Autran era advogado. Augusto Boal era engenheiro químico. Se um influenciador for bom ator, será talvez um novo Paulo Autran. Que seja bem-vindo.

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