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Hora da virada? O impacto da aprovação de vacina nacional contra a dengue

Depois de mais de 8 milhões de casos e ao menos 8 000 mortes registradas nos últimos dois anos — números que podem estar subestimados —, a moléstia propagada pelo Aedes aegypti tem tudo para continuar a assombrar o noticiário. Com o aquecimento global, tão propício à proliferação do mosquito vetor, a dengue não restringe mais seus ataques ao verão nem está mais confinada a países tropicais. Pelo contrário: na esteira das mudanças climáticas, com calor acima da média e chuvas torrenciais ganhando terreno, agora nações como Estados Unidos e França já estão em sua zona de ameaça. O grande dilema é que os especialistas já falam na impossibilidade de erradicar o inseto transmissor, apesar de o combate aos criadouros seguir fundamental. Por isso, a esperança recai cada vez mais em vacinas capazes de deter o vírus da dengue. Daí a boa notícia anunciada com a aprovação do primeiro imunizante feito no Brasil contra esse problema de saúde pública.

arte dengue

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu aval à Butantan-DV, fórmula de dose única criada pelo Instituto Butantan. Nos estudos clínicos, ela apresentou eficácia geral de 74%, proteção de 91% contra casos de dengue grave e prevenção de 100% de hospitalizações. Mas os caminhos que conduziram à consolidação do imunizante foram desafiadores devido à complexidade do vírus. Trata-se de um patógeno com quatro sorotipos, e, quando se pega um deles, não há imunidade contra os demais — na verdade, o risco de uma complicação até se eleva. Tudo isso também torna mais difícil conter as epidemias por versões virais diferentes. E, nas asas do mosquito, elas vêm e vão. “A gente estima que, para cada caso de dengue notificado, pode haver de cinco a dez que não foram, porque eles podem ser mais leves e as pessoas não procuram o centro de saúde”, diz Jarbas Barbosa, diretor-geral da Organização Pan-­Americana da Saúde (Opas), que esteve no evento de anúncio da vacina brasileira. Aliás, o interesse no produto transborda por nossas fronteiras. Do norte da Argentina ao sul dos Estados Unidos, foram registrados 13 milhões de casos e mais de 9 000 mortes no último ano. Porém, tudo leva a crer que o cenário seja pior. “Podemos ter tido até 130 milhões de pessoas com a doença na região das Américas”, calcula o sanitarista e ex-presidente da Anvisa.

RIGOR - Butantan-DV: produto eficaz contra os quatro tipos do vírus
RIGOR - Butantan-DV: produto eficaz contra os quatro tipos do vírusRenato Rodrigues/Comunicação Butantan//

A vacina da instituição paulista é fruto de longa pesquisa que teve início com uma parceria com os Institutos Nacionais de Saúde americanos, que realizaram os primeiros experimentos. A partir de 2013, iniciou-se a fase de pesquisa em humanos no Brasil, e ela se estenderia por quase uma década. No total, 16 235 pessoas participaram dos testes, num estudo louvado no país como um dos mais robustos da história. Com base nos dados de segurança e eficácia e na proteção que dura ao menos cinco anos, o imunizante recebeu sinal verde para estrear.

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Mais de 1 milhão de doses já estão prontas e poderiam ser aplicadas ainda neste ano. A campanha com a incorporação do produto no Programa Nacional de Imunizações (PNI) está prevista para 2026, com foco na população de 12 a 59 anos, em ordem a ser definida. “É uma vacina 100% brasileira, mais ampla na capacidade de proteção viral e de dose única, o que ajuda muito na adesão”, destacou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. O processo de ampliação na fabricação dos lotes vai contar com o suporte da farmacêutica chinesa WuXi. Estão previstas outras 30 milhões de doses para o próximo ano.

INCONTROLÁVEL - Aedes aegypti: o mosquito da dengue também transmite outras doenças, como chikungunya
INCONTROLÁVEL - <em>Aedes aegypti</em>: o mosquito da dengue também transmite outras doenças, como chikungunyaJoao Paulo Burini/Getty Images

A vacina do Butantan não é a primeira do gênero que deve chegar ao SUS. Atualmente, o imunizante ofertado é da japonesa Takeda, e ele é aplicado em duas doses na população de 10 a 14 anos — na rede privada, podem ser administradas até 59 anos. A ideia não é a versão nacional entrar no lugar da opção já disponível. “Ela não vai substituir, tanto é que temos um contrato de 18 milhões de doses com a Takeda, inclusive com a recomendação de distribuição”, afirma Padilha. Mas os brasileiros não escondem o orgulho de seu trunfo. “Temos uma arma muito poderosa, mas é preciso lembrar que o mosquito não transmite só a dengue, então o controle do vetor precisa continuar”, diz o infectologista Esper Kallás, diretor do Butantan. Sim, nessa luta em clima de aquecimento global, qualquer reforço será mais do que bem-vindo.

Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição nº 2973

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