Para ser mais sustentável, o agronegócio brasileiro não precisa abrir mão da produtividade — ao contrário, pode aumentá-la. Essa foi a posição defendida por representantes do setor privado durante o VEJA Fórum Agro, em sintonia com a visão de especialistas e pesquisadores. E há razões sólidas para isso.
O Brasil possui hoje cerca de 111 milhões de hectares de terras degradadas, ou seja, áreas que perderam seu potencial produtivo. Para muitos, aí está uma das maiores oportunidades de crescimento do agro sem recorrer ao desmatamento. A lógica é direta: recuperar a fertilidade do solo, reinserir árvores, diversificar o uso da terra e aplicar tecnologia pode transformar extensões subutilizadas em polos produtivos. Ao mesmo tempo, boas práticas agrícolas podem tornar as terras já em uso mais eficientes.
Essa abordagem pode ampliar significativamente a produção nacional de grãos, carne e fibras até 2050. Um relatório do Landscape Accelerator: Brazil (LAB) estima que a estratégia pode agregar 28 bilhões de dólares por ano ao produto interno bruto, beneficiando mais de 600 000 produtores e pecuaristas. O LAB é uma iniciativa multissetorial lançada neste ano, em conjunto, pelo World Business Council for Sustainable Development, pela consultoria BCG e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).
Essa transformação já está em curso em muitos lugares. “Temos hoje no Brasil um modelo de produção extremamente eficiente, com até três safras por ano em uma mesma área”, destacou Fábio Dias, líder de pecuária sustentável da empresa de alimentos JBS, durante o fórum. Um exemplo citado é a integração entre pecuária e agricultura, que enriquece o solo e representa bem o conceito de agricultura regenerativa — uma abordagem que alia produtividade e conservação ambiental.
Além de tornar o campo mais resiliente às mudanças climáticas, a regeneração ajuda a reduzir emissões de gases de efeito estufa. O setor agropecuário responde por cerca de 30% das emissões líquidas de CO2 no Brasil, sendo a pecuária a principal fonte. Estima-se que 80% do potencial de mitigação das emissões do setor possa vir de práticas regenerativas — que devem incluir também o bem-estar dos produtores e das comunidades tradicionais. “É uma estratégia boa para o produtor, para o consumidor e para os ecossistemas”, diz Carla Gheler, coordenadora de sistemas agroalimentares do Cebds.
Os benefícios não param por aí. Técnicas regenerativas ajudam a conter erosão, escassez hídrica e inundações, ao proteger nascentes e matas ciliares — áreas que, segundo João Bosco Gomes, pesquisador da Embrapa Florestas, estão sendo degradadas mesmo tendo funções vitais como produção de água e abrigo da biodiversidade.
O interessante é que muitas dessas soluções não são novidades. O Brasil, por meio da Embrapa, desenvolve desde os anos 1970 tecnologias como plantio direto, culturas de cobertura, integração lavoura-pecuária-floresta, bioinsumos e manejo de pastagens. Essas inovações ajudaram a alavancar a produtividade no campo e colocam o país na vanguarda da produção agrícola sustentável. “Em reuniões internacionais, o Norte Global propõe implementar práticas que nós já desenvolvemos há décadas”, afirma Carla.
Apesar disso, tais práticas ainda não se disseminaram na escala desejada. Um dos motivos são as barreiras financeiras: a transição exige capacitação, reestruturação das propriedades e, muitas vezes, implica a redução temporária de lucro — algo desafiador para pequenos e médios produtores.
Iniciativas como o RenovAgro, voltadas a fomentar práticas sustentáveis, são passos importantes, e o setor privado também já se mobiliza. No âmbito da iniciativa multissetorial LAB, mais de quinze grandes empresas e vinte parceiros financeiros investiram 100 milhões de dólares em projetos de regeneração, com a meta de alcançar 1 bilhão de dólares até 2030. Ainda assim, os mais de 5 milhões de propriedades rurais brasileiras seguem sem acesso ao crédito adequado.

Essa lacuna está ligada a um problema mais estrutural: avaliar a produtividade e os riscos climáticos de propriedades rurais ainda é uma tarefa difícil. Para Vitor Santos, diretor de sustentabilidade do banco BTG Pactual, é essencial ampliar os mecanismos de análise. “O produtor tem certificações? Um histórico de boas práticas? A melhor forma de combater o desmatamento é premiar quem está fazendo certo”, afirma Santos.
Nesse sentido, o Cebds propõe métricas socioeconômicas que reflitam não só a produtividade e a qualidade ambiental, mas também o bem-estar dos produtores. Essas métricas facilitariam a gestão, a conformidade e a obtenção de crédito, ao demonstrar que a produção regenerativa é, além de mais sustentável, menos arriscada que a convencional.
Produtividade com conservação
Outro ponto crítico para avançar é o planejamento da paisagem produtiva. O Brasil ainda carece de um mapeamento sistemático e detalhado de suas terras agrícolas, com análise das potencialidades e fragilidades de cada região. “Nunca fizemos uma política nacional de mapeamento. Isso exige investimento, tempo e treinamento”, afirma Bosco. Sem esse diagnóstico, torna-se difícil planejar com eficácia onde produzir, restaurar ou conservar.
Ele também destaca a necessidade de mudar a forma como o setor agropecuário enxerga as árvores nas áreas produtivas. “No meio rural, muitas vezes a árvore é vista como obstáculo”, diz. No entanto, sua presença melhora a infiltração da água, protege nascentes e evita erosões — benefícios que, no longo prazo, reduzem custos e riscos. A integração entre florestas plantadas ou vegetação nativa e a produção agrícola pode levar o Brasil à liderança de um modelo mais equilibrado e competitivo.
A aposta é que a combinação entre alta produtividade, conservação de recursos e menor impacto climático reposicione o país como uma potência global do agro. Frente a regulamentações internacionais mais rigorosas e consumidores atentos à origem dos alimentos, investir em regeneração é também uma estratégia de mercado.
A agricultura regenerativa, para seus defensores, não é utopia. É uma resposta concreta aos desafios do clima, da produção de alimentos e da sustentabilidade — e pode ser a vantagem que garantirá o futuro do agro brasileiro.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição especial nº 2973
