Não foi de graça — literalmente — que o Brasil se consolidou como um dos maiores produtores globais de commodities agrícolas. Sem o suporte dos programas de crédito rural e do mercado de capitais, o país não teria, nos últimos vinte anos, triplicado a produção, dobrado a área plantada de grãos e alcançado a liderança nas exportações globais de soja e algodão, entre muitas outras conquistas. Agora, a firme parceria com o sistema financeiro está levando o agronegócio brasileiro a outro patamar — e a uma posição de destaque na descarbonização.
Trata-se do resultado de transformações que se estendem do campo ao mercado financeiro. Durante muito tempo, o agro teve como principal fonte de recursos o Plano Safra, o programa oficial de crédito rural. Ele continua sendo importante, mas hoje divide espaço com a crescente participação do dinheiro privado de investidores que aplicam em outros instrumentos usados para financiar a agricultura e a pecuária, como fundos de investimento, letras de crédito e certificados de recebíveis do agro. Ocorre que, cada vez mais, bancos e instituições financeiras consideram os indicadores socioambientais na hora de decidir quem deve ou não ter acesso ao crédito agrícola. “O agronegócio vai muito além de plantar, regar e colher”, afirma Cacá Takahashi, diretor da Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais, que tem acompanhado a expansão do crédito privado na agropecuária. “E os aspectos socioambientais precisam ser levados em conta.”
Além disso, o uso de tecnologia e da inteligência artificial ajuda os agricultores — especialmente os de menor porte — a melhorar o planejamento e a facilitar o dia a dia. É o caso da plataforma E-Agro, do Bradesco, que em três anos acumula uma carteira de 5,6 bilhões de reais aplicados — e vem permitindo que os produtores tenham o crédito rural liberado em questão de horas. “A tecnologia empodera todos os atores da cadeia: produtores rurais, distribuidores, traders e indústria”, disse Nadege Saad, líder da plataforma E-Agro, durante o VEJA Fórum Agro, em 24 de novembro.
Na prática, esses fatores impulsionam a produção de alimentos e commodities de forma ambientalmente mais sustentável. Veja o caso do Banco do Nordeste (BNB). Cada pedido de crédito agrícola que chega à instituição estatal passa por um sistema de certificação ambiental que verifica automaticamente 28 aspectos do negócio para garantir que o produtor rural e sua propriedade estejam de acordo com as normas ambientais. “Mesmo com as regras mais rígidas, o volume de crédito agrícola concedido pelo BNB está crescendo”, disse Irenaldo Soares, superintendente de políticas de desenvolvimento sustentável do banco. O banco deve encerrar este ano com 20 bilhões de reais aplicados no agronegócio, quase o triplo do valor de 2020.
Segundo Soares, que participou também do VEJA Fórum Agro, a sustentabilidade passou a ganhar mais atenção no setor financeiro após a exigência do Banco Central, em 2021, de que as instituições adotassem compromissos socioambientais, como parte da política de responsabilidade social, ambiental e climática.

Esse tipo de controle, no entanto, é apenas uma pequena parte da atuação do sistema financeiro em prol da descarbonização da agropecuária. O dinheiro de investidores, instituições financeiras e do setor público direcionado ao agronegócio tem contribuído para que o Brasil mude esse cenário.
Por muito tempo, o agronegócio nacional adotou uma postura mais defensiva. Frequentemente, o setor foi e ainda é apontado como vilão ambiental, responsável pelo desmatamento da Amazônia e por outras mazelas graves. Isso, muitas vezes, levou ao fechamento de mercados e a sérios danos de imagem no exterior. Mas agora ganha força um empenho para mostrar que a agricultura e a pecuária brasileiras são bem mais sustentáveis do que parecem à primeira vista.
Entre os motivos para isso estão as práticas agrícolas amplamente utilizadas na agricultura tropical, característica do Brasil. Parte dos aspectos positivos decorre da possibilidade de cultivar duas safras numa mesma temporada, como a soja no verão seguida de milho ou algodão — ou até da chamada Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, na qual a produção de grãos é sucedida pela criação de gado, ao lado do cultivo florestal. “Na prática, uma mesma área de terra produz mais, o que proporciona um uso mais eficiente da terra”, diz Nathalia Pereira, coordenadora de finanças sustentáveis da WayCarbon, empresa de Belo Horizonte que ajuda instituições financeiras a calcular as emissões de carbono causadas pelas atividades que financiam ou em que investem, e que tem o Santander como sócio majoritário.

Outra prática já bastante assimilada pelos agricultores do Brasil é o chamado plantio direto, no qual uma lavoura é semeada sobre a palhada da safra anterior, contribuindo para a fixação de carbono no solo e otimizando a adubação. No ano passado, quatro dos principais bancos brasileiros com atuação no financiamento agrícola (Banco do Brasil, Santander, Itaú e Bradesco) fizeram com a FGV Agro (centro de agronegócios da Fundação Getulio Vargas) um levantamento sobre as emissões de carbono da produção de soja, milho e carnes no Brasil e o potencial de descarbonização decorrente do uso de práticas mais sustentáveis nessas atividades, como o plantio direto.
Novos caminhos de financiamento
Há outras frentes importantes para a descarbonização do agronegócio brasileiro que exigem crédito e investimentos. Uma delas é a produção de biocombustíveis, como o biodiesel com base no óleo de soja, o etanol de cana-de-açúcar e de milho, e o biometano, gás obtido a partir dos resíduos da criação de animais. São projetos diretamente ligados à transição energética: os combustíveis fósseis e derivados de petróleo são substituídos por alternativas renováveis, derivadas de insumos agropecuários.
Muitos desses avanços são financiados por fundos como os Fiagros (fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais). Criados em 2001, desde então eles se tornaram ferramentas importantes para sustentar o financiamento do agronegócio brasileiro. Existem ainda as debêntures incentivadas, que oferecem aos investidores isenção ou redução de imposto de renda sobre os rendimentos. “Hoje esse tipo de debênture tem papel relevante no financiamento de projetos como os das usinas de etanol de milho, uma indústria em franco crescimento no Brasil”, diz Caroline Perestrelo, líder de agro corporate do Santander.

Há boas razões para que muitos instrumentos financeiros usados no agronegócio contem com incentivos ou subsídios. O setor é exposto à oscilação das commodities, o que afasta parte dos investidores, especialmente em prazos longos. “Nem todos estão dispostos a correr esses riscos”, diz Daniela Pinto, vice-presidente sênior do GEF Capital Partners, fundo com 2 bilhões de reais em projetos de mitigação e adaptação climática no Brasil, na Índia e nos Estados Unidos. Apenas uma das dez empresas investidas atua no agro, com agricultura de precisão. “Buscamos novas oportunidades”, afirma. Entre os alvos estão empresas de insumos biológicos e proteínas vegetais.
Uma das saídas para estimular esses investimentos são os programas de financiamento que mesclam recursos públicos e capital privado, resultando em taxas de juros geralmente mais atraentes. Um exemplo é o Programa Eco Invest, mantido pelo governo federal, que combina dinheiro do Tesouro Nacional com recursos captados pelos bancos a juros de mercado. Uma das edições mais recentes do programa foi voltada a investimentos na recuperação de pastagens degradadas — ação que aumenta a produtividade e permite criar mais animais em uma área menor. “Programas como esse são fundamentais para alavancar a sustentabilidade no campo”, diz Caroline Perestrelo, do Santander. O futuro do agro sustentável passa, cada vez mais, pelo crédito consciente.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição especial nº 2973
