Nos últimos quatro meses, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, endureceu a guerra às drogas no Caribe e Pacífico. Para além das tropas americanas despachadas, o republicano deu sinal verde para o bombardeio de mais de 20 barcos supostamente usados para o transporte de drogas na região, deixando ao menos 83 mortos. Na última sexta-feira, 28, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, afirmou que Washington estava apenas “começando a matar narcoterroristas”. Poucas dias depois, contudo, Trump concederia indulto total e incondicional ao ex-presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández, condenado nos EUA por narcotráfico. Contraditório.
Hernández havia sido condenado por conspiração para importar cocaína para os Estados Unidos e por posse de metralhadoras em março de 2024, durante o mandato do democrata Joe Biden. Na época, documentos do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ, na sigla em inglês) mostraram que o ex-presidente teria se gabado para um chefão do narcotráfico de que iria “enfiar as drogas direto no nariz dos gringos”. Ele teria causado “danos incalculáveis” e “sofrimento inimaginável” aos americanos, alegaram os promotores, que aconselharam que o antigo líder hondurenho passasse o resto da vida atrás das grades.
“O réu se envolveu nessa conduta abominável enquanto se apresentava publicamente como um aliado dos Estados Unidos em seus esforços para combater a importação de narcóticos que destroem inúmeras vidas neste país. Mas, nos bastidores, o réu protegia os mesmos traficantes que jurou perseguir”, disseram os promotores do caso.
Mas Trump não deu ouvidos, e Hernandéz foi libertado nesta segunda-feira, 1°. Em comunicado, o líder americano argumentou que “muitos amigos” pediram a ele que oferecesse um indulto ao hondurenho, acrescentando: “Deram-lhe 45 anos porque ele era o presidente do país — isso poderia ser feito com qualquer presidente em qualquer país”. Pouco antes de retornar à Casa Branca, Trump foi condenado por 34 crimes de falsificação de documentos comerciais, relacionados a um pagamento feito à atriz pornô Stormy Daniels durante a eleição presidencial de 2016 para que ficasse quieta sobre um affair que tiveram uma década antes. Ele também enfrentava outras acusações.
“Isso só demonstra que todo o esforço antidrogas de Donald Trump é uma farsa — é baseado em mentiras, é baseado em hipocrisia”, disse Mike Vigil, ex-chefe de operações internacionais da DEA (Administração de Repressão às Drogas), ao jornal britânico The Guardian. “Ele concede indulto a Juan Orlando Hernández e depois persegue Nicolás Maduro … É tudo hipocrisia.”
Por sua vez, Hernández — que, assim como Trump, diz ter sido alvo de perseguição política — não poupou elogios a Trump pelo perdão: “Minha mais profunda gratidão ao presidente Trump por ter tido a coragem de defender a justiça quando um sistema instrumentalizado se recusava a reconhecer a verdade. O senhor mudou a minha vida, e eu jamais me esquecerei disso”, escreveu ele no X, antigo Twitter.
Em paralelo, o republicano também tenta influenciar os resultados das eleições gerais de Honduras. Na Truth Social, rede social da qual é dono, ele alertou que poderia cortar a ajuda financeira ao país caso o candidato apoiado por ele, Nasry Asfura, não vencesse a disputa. Trump escreveu que Hernández havia sido “tratado com muita dureza e injustiça”. O órgão eleitoral de Honduras afirmou nesta segunda-feira, 1°, que houve um “empate técnico” entre Asfura e seu principal adversário, Salvador Nasralla, de centro-direita, definido por Trump como “quase comunista”. A declaração irritou o mandatário da Casa Branca, que alegou que estavam tentando “mudar” o resultado do pleito.
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De olho em depor Maduro
Enquanto isso, Trump escala as tensões no Caribe. Além do maior porta-aviões do mundo, o USS Gerald R. Ford, destróieres com mísseis guiados, caças F-35, um submarino nuclear e cerca de 6.500 soldados foram despachados para a região, enquanto o presidente dos EUA intensifica o jogo de quem pisca primeiro com o governo venezuelano. O governo americano acusa o ditador Nicolás Maduro de liderar o Cartel de los Soles — designado uma organização terrorista estrangeira na semana passada — e oferecem uma recompensa de US$ 50 milhões por informações que levem à captura do chefe do regime chavista.
Trump teria, inclusive, dado um ultimato a Maduro: ele, sua família e aliados poderiam fugir desde que o fizessem imediatamente, afirmaram fontes familiarizadas com o assunto, sob condição de anonimato, ao jornal americano Miami Herald. A proposta teria como objetivo estabelecer um governo democrático em Caracas. A discussão, contudo, logo chegou a um impasse incontornável. O regime chavista teria concordado em entregar o controle político à oposição desde que mantivessem o comando das Forças Armadas — um “não” para os EUA.
Sem sinal de trégua, o republicano amplia o escopo das ameaças a Maduro. Um dia após a libertação de Hernández, Trump afirmou que ataques contra alvos dentro da Venezuela começarão “em breve”. Há poucas semanas, militares de alto escalão apresentaram opções de operações a Trump. Hegseth, o chefe do Estado-Maior Conjunto, Dan Caine, e outros oficiais entregaram planos atualizados, que incluíam ataques por terra. Segundo a emissora CBS News, a comunidade de Inteligência dos EUA contribuiu com o fornecimento de informações. Parece ser só o começo de uma perigosa queda de braços — que parece, e pode, ir muito além do narcotráfico.