Está faltando conversa na praça dos Três Poderes, em Brasília.
Lula, por exemplo, diariamente se vangloria da longeva experiência na política. Mas um ano antes do fim do governo, e já tendo anunciado a candidatura ao quarto mandato, entrou em rota de colisão com os presidentes da Câmara e do Senado. E ainda perdeu seu candidato predileto ao governo de Minas Gerais, o senador Rodrigo Pacheco. Ficou sem palanque no segundo maior colégio eleitoral. Tudo ao mesmo tempo.
Lula tem base mínima de votos nos plenários da Câmara e do Senado. Depende dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para aprovar tudo que precisa no Legislativo durante o ano eleitoral de 2026.
O problema é a crise de Lula com o deputado Motta e o senador Alcolumbre. Ela tem origem na disputa pelo mando em fatias do orçamento. O governo acha que o Congresso extrapola os limites constitucionais de decisão. E os parlamentares acham que o governo precisa entender que a função constitucional do Legislativo é controlar o orçamento.
O embate se agravou porque uma ala do governo e do Partido dos Trabalhadores resolveu fomentar, supostamente com aval de Lula, uma campanha contra o grupo partidário que controla a maioria dos votos nos plenários, conhecido como Centrão.
Numa das peças de publicidade negativa mais difundidas nas redes sociais, nos últimos meses, o Congresso é apresentado como “inimigo do povo”. Motta e Alcolumbre mandaram as polícias da Câmara e do Senado investigarem a origem e os envolvidos na campanha. Planejam divulgar a lista nos próximos dias, com denúncia formal à Justiça.
A crise estava restrita ao governo e Legislativo, embora houvesse tensão entre Congresso e Supremo Tribunal Federal, fomentada pelos grupos de extrema-direita insatisfeitos com o julgamento e condenação de Jair Bolsonaro, aliados civis e militares por crimes contra a Constituição, entre eles, tentativa de golpe de estado.
Nesta quarta-feira (3/12), porém, uma decisão do juiz Gilmar Mendes, do STF, provocou uma escalada no conflito Legislativo-Judiciário.
Ele resolveu que somente o procurador-geral da República tem legitimidade para pedir o impeachment de juízes do Supremo. Até terça-feira, qualquer brasileiro poderia propor ao Senado o impeachment de um juiz do STF. Mendes já é alvo de três dezenas de pedidos, todos bloqueados pelo presidente do Senado.
Senadores e deputados se rebelaram contra a decisão individual de Mendes. Alcolumbre, até então visto como aliado principal do Supremo no Congresso, apresentou um roteiro para a reação legislativa a partir do Senado:
- Pretende votar com urgência um projeto de lei que prevê um “novo marco legal” para crimes de responsabilidade, há meses parado na Comissão de Constituição e Justiça;
- Planeja alterar o regime das decisões judiciais monocráticas, principalmente aquelas que suspendem a vigência de uma lei cautelarmente. Alcolumbre justifica: “Não é no mínimo razoável que uma lei votada nas duas Casas Legislativas e sancionada pelo presidente da República seja revista pela decisão de um único ministro do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, deve ser exigível a decisão colegiada da Corte, instância única e última para se declarar a constitucionalidade, ou não, de uma lei vigente.”
- Influenciar para decisão rápida na Câmara sobre uma proposta de emenda constitucional já aprovada no Senado que estabelece normas e prazos em julgamentos do STF;
- Anunciou também: “Eu vou, na condição de Presidente do Senado Federal, convocar uma reunião com as Lideranças partidárias para que a gente possa, dentro das nossas prerrogativas institucionais, avaliar todos os projetos que estão em tramitação no Senado Federal.
No final da noite, o presidente do Senado soube que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara saiu na frente na reação ao Supremo: aprovou a imposição de limites às decisões individuais de juízes do STF contra leis validadas pelo Congresso.
Detalhe relevante: o projeto foi aprovado pelos deputados em caráter terminativo na comissão, recurso que dispensa análise no plenário da Câmara. Se quiser, o Senado poderá iniciar o processo de votação na manhã esta quinta-feira.
Falta de conversa está na raiz das crises entre Lula, o deputado Hugo Motta e o senador Davi Alcolumbre, assim como no conflito entre o Supremo e o Congresso. São políticos, alguns vestem terno e gravata outros usam toga. Todos sabem que política é a arte da conversa.