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Os remédios que podem frear nosso relógio biológico já estão entre nós?

A revista científica Nature Biotechnology publicou recentemente um editorial elegante e provocador, daqueles que não fazem barulho, mas que podem mudar a direção do vento. O texto questiona, com rigor e sobriedade científica, se estamos diante das primeiras medicações capazes de alterar o curso do envelhecimento humano.

Não buscamos milagres, mas começamos a reconhecer que a ciência se aproxima de territórios antes reservados à ficção. E é a partir desse cenário que compartilho minhas reflexões.

Os agonistas do receptor de GLP-1, como a semaglutida, e os agonistas combinados GLP-1/GIP, como a tirzepatida, deixaram rapidamente de ser apenas medicamentos para diabetes e obesidade e se consolidaram como intervenções de amplo alcance cardiometabólico. Isso já seria extraordinário.

Mas o que vem nos surpreendendo é o impacto que essas moléculas demonstram em processos associados ao envelhecimento, especialmente em pessoas com obesidade e diabetes tipo 2.

Hoje temos evidências robustas mostrando:

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  • Redução de mortalidade por todas as causas em populações de alto risco.
  • Importante queda em eventos cardiovasculares maiores (infarto, AVC, morte cardiovascular).
  • Proteção renal, retardando a progressão da doença.
  • Redução substancial de marcadores de inflamação.
  • Melhora significativa na apneia do sono, com redução de episódios e sintomas.
  • Alívio da dor e melhora funcional na osteoartrose, especialmente de joelho.
  • Redução da gordura e da fibrose do fígado.
  • Dados preliminares que sugerem potencial impacto neuroprotetor, com estudos em andamento avaliando declínio cognitivo e Alzheimer.
  • Além disso, boa parte desses efeitos parece ocorrer parcialmente independente da perda de peso.

Não se trata de marketing disfarçado, trata-se de ciência acumulada em ensaios clínicos robustos, avaliados com o rigor que a medicina baseada em evidências exige. E há algo profundamente simbólico em ver uma única classe de medicamentos dialogar, simultaneamente, com tantas frentes que costumamos associar ao desgaste do tempo.

Ainda assim, seria prematuro vestir essas moléculas com o título de “medicação antienvelhecimento”. O que temos hoje é um sinal forte, mas ainda restrito a populações específicas, sobretudo pessoas com obesidade ou diabetes tipo 2, nas quais o risco é elevado e o benefício absoluto, expressivo.

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Para dizer que interferimos no próprio processo do envelhecimento humano, precisaríamos demonstrar efeitos semelhantes em indivíduos de baixo risco, ao longo de anos, talvez décadas, em um tipo de estudo difícil, caro e metodologicamente desafiador. Seria preciso impactar a saúde não apenas de quem já tem doenças relacionadas ao tempo, mas também de quem ainda está distante delas. E isso, por enquanto, é uma incógnita.

Mas a pergunta, aquela que antes parecia ingênua, hoje soa plausível: estamos vendo o relógio biológico sendo reprogramado para dar mais voltas ou recarregar suas baterias?

Não temos respostas ainda; apenas foi acesa a chama da dúvida boa, aquela que move o pensamento científico. E, a partir dela, o caminho para retardar o impacto das doenças da idade talvez não passe por uma pílula mágica, mas por moléculas que já estão entre nós, redesenhando o horizonte da medicina.

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Os dados atuais são limitados e valem sobretudo para populações com obesidade e diabetes tipo 2, nas quais o risco cardiometabólico já é alto. Fora desses cenários, ainda não sabemos quase nada. O futuro pode ser promissor, mas ciência boa não corre – caminha com rigor.

Há algo antes utópico, agora científico, em testemunhar um campo inteiro se reorganizando. Não porque surgiu a pílula da juventude, mas porque, talvez pela primeira vez, a longevidade começa a caber dentro de estudos científicos, desfechos clínicos e biomarcadores.

O futuro pede prudência. Mas, pela primeira vez, a ciência parece ter encontrado uma brecha real, concreta e extraordinária na armadura até agora intransponível do envelhecimento.

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* Clayton Luiz Dornelles Macedo é endocrinologista, coordenador do Núcleo de Endocrinologia do Exercício e do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem)

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