Além do programa Companhia Certa, na RedeTV!, Ronnie Von chega aos 81 anos repleto de energia. Há algumas semanas reuniu a imprensa e amigos em sua residência no bairro do Morumbi, em São Paulo, para uma audição do seu novo álbum, que celebra clássicos da música norte-americana em suas interpretações. Figura importante para a cultura brasileira, o cantor e apresentador construiu uma trajetória multifacetada que atravessa música, televisão, moda e comportamento, influenciando diferentes gerações. Como cantor, foi um dos nomes marcantes da Jovem Guarda, trazendo ao movimento uma estética mais sofisticada e dialogando com a psicodelia e a MPB. Na TV, consolidou-se como comunicador refinado, apresentando programas que valorizavam conhecimento, artes, design, culinária e comportamento. Em conversa com a coluna GENTE, ele faz um balanço de seus sessenta anos de carreira e explica o que faria de diferente.
E lá se vão 60 anos de carreira. O que o senhor percebeu até aqui sobre o envelhecer? Meu pai sempre dizia: ‘A mente humana jamais vai passar de 25 anos, o corpo é que não quer entender’. Ainda me sinto ainda jovem, só que o corpo não responde mais como eu gostaria. 60 anos é uma estrada mais ou menos longa, mas, de qualquer maneira, foi um sonho que persegui. E, em função disso, a vida se divide em duas coisas: a sobrevivência e a própria vida. Com 60 anos de carreira, já ganhei o que tinha que ganhar, já perdi o que tinha que perder. Agora, de certa forma, fazer com que essa atividade profissional seja apenas prazerosa e não busque mais a sobrevivência em função dela.
É o que faz com a TV? Sim. Parei com música há muito tempo, mais de 20 anos atrás. Cansei de viajar, cansei de palco. É uma vida muito complexa em que você está sempre ausente, não curte a família ou dorme em casa. E as viagens, quando a carreira foi para o exterior, eram de 17 horas. Fiz um show em Paris, no dia seguinte em Uberaba. Um em Santo Antônio de Pádua, no interior do estado do Rio, e no dia seguinte em Palma de Mallorca. Os empresários pegam a agenda e não olham as datas anteriores.
Como vê a TV hoje? Você sabe perfeitamente que as emissoras de televisão estão passando por um momento bastante delicado, que eu nunca pensei que poderia acontecer. Uns dizem que é por causa da internet, outros dizem que é por conta da TV paga, pode ser por tudo isso. Na minha visão, muitas vezes isso é má gestão. Eu nunca fui dono nem diretor de televisão, mas vejo isso.
O que ainda te motiva? Sou humanista por princípio. Esse programa, na Rede TV, chama-se Companhia Certa. Meu objetivo era simplesmente transformar os produtos em seres humanos. Nós, que trabalhamos com comunicação, somos considerados produtos. Quem abriga esse produto é um ser humano, uma pessoa que tem anseios, necessidades, visões de todo homem comum da nossa época. Em função disso, esse programa não é para resgatar, porque essa palavra está mais do que gasta, mas seria trazer de volta as humanidades. Somos animais gregários, vivemos em sociedade e a gente ainda não aprendeu nada com abelha, formiga, cupim. Não sei se vai acontecer, porque, com 81 anos, me resta menos tempo do que antes, mas é um sonho que persigo.
O que você ainda quer fazer? Uma coisa que eu gostaria de ter feito e que não fiz foi não delegar poder. A minha vida inteira raciocinei como se eu fosse um produto. Deleguei poder, entreguei minha vida a empresários e secretários. E isso foi um grande engano. Honestamente, não sei como é que hoje posso estar comemorando 60 anos de estrada, porque sou um péssimo gestor. Não consigo administrar a mim mesmo. Agora, prazerosamente, devo dizer que o começo dessa história musical foi muito importante para mim, porque queria, de fato, ser músico. Era um sonho dourado. Já tinha acabado a faculdade, estava trabalhando.
Como analisa o mercado da música hoje? Não que eu seja um saudosista, mas hoje, em vários países, o vinil já é realidade. Esse álbum que fiz agora foi uma espécie de vingança em relação às gravadoras. Não posso falar mal de gravadora, porque sou produto de gravadora. Na minha época de gravadora, não tinha assessor de imprensa. Podia fazer as capas de disco como queria… Um álbum é cultura, não business. Mas disco era dinheiro para as gravadoras.
Por que lançar um novo disco agora? É um álbum só de standards da década de 1940 e 50, com Big Band. Gravei It’s Cold Outside. É um dueto de um homem com uma mulher. Está nevando lá fora e ele quer que ela fique com ele. Com outras intenções, naturalmente. Ray Charles gravou com a Betty Carter. Muita gente gravou essa canção. No dia seguinte que ouvi, estava na minha casa com o maestro arranjador, com um monte de músicos ao invés de gravar uma música só, fiz 10. A mídia começou a publicar que eu estava de volta. Eu não estou de volta a lugar nenhum. Eu só gravei uma coisa que para mim é importante e não pude durante toda a vida. É uma vingança. Mas uma vingança muito boa, muito colorida.
Não pensa em fazer show? Não, porque cansei. Conheço o meu país inteiro. Do Acre à Paraíba, conheço tudo. Só não conheço Fernando de Noronha, porque não tinha show lá. Cansei de palco, cansei de confusão, cansei de contratos loucos. Quando comecei a me sentir um produto, estava no aeroporto com a minha banda, indo para um show no Mato Grosso e o empresário falando com um contratante, disse que estava me “despachando”. Eu era um embrulho. Eu pensei numa garrafa de refrigerante. Eu me senti mal nessa história. Aí, a partir daí, comecei com essa reflexão. Para voltar a subir num palco, só se for para caridade.
Faria alguma coisa diferente? Faria tudo diferente. Depois que a locomotiva está no trilho e chegando ao destino, você diz: ‘poxa vida, aquele desvio lá eu devia ter feito, não fiz’. E uma coisa que me incomoda é o fato de eu ter entregue minha vida na mão de terceiros. Isso eu jamais faria.
Como define sua identidade artística hoje? Passei 60 anos com a Jovem Guarda. Surgi na mesma época, mas eu tinha um outro programa. E os meus convidados eram uma banda que criei, chamada Mutantes. Caetano, Gil, Gal… Era uma outra visão que eu tinha, de atitude comportamental em música. Não que eu tivesse alguma coisa contra. Era uma coisa mais simples. Uma das coisas que mais me orgulho na vida é ter feito parte de uma geração que mudou o comportamento social do mundo. Isso é revolucionário, mas não teve tiro, não teve sangue, nada. Teve música. Isso é de uma importância monumental. Você conseguir movimentar, na verdade, toda uma sociedade com música, é muito difícil e revolucionário.
Como surgiu sua rivalidade com a Jovem Guarda? Aconteceu quando a TV Excelsior me ofereceu um programa aos domingos, no mesmo horário da Jovem Guarda, no começo de carreira. Ao chegar em São Paulo, Paulinho Machado de Carvalho, que era dono da TV Record, foi na minha casa e me fez uma proposta interessante, jogou a isca e eu peguei. Ele me falou que seria sábado em outro horário, com uma outra visão. Acreditei e fui para lá. Não que tenha me arrependido. Mas era difícil, não tinha casting. Cheguei a fazer um programa inteiro, de uma hora, eu e Mutantes, porque não tinha ninguém que fosse no programa. Quem fazia o meu programa jamais pisaria no da Jovem Guarda. Perto do falecimento do Paulinho, que era um querido amigo, ele me disse: ‘Ronnie, contratei você para te anular’. Nem cenário tive no programa, criaram umas ampliações métricas de fotografias minhas e fomos à luta, só que o programa deu certo. Depois foi para a noite, em um nível muito melhor, com direção impecável de outro amigo, Nilton Travesso, que, aliás, foi uma das pessoas que me inventou na televisão.
O apelido ‘príncipe’ te limitou? Quem me deu esse apelido foi a Hebe Camargo. Fui ao programa dela e contei que já tinha sido cadete da aeronáutica. Ela disse: ‘Você não tem cara de aviador’. Mas eu era piloto, tinha acabado de fazer os cursos de multimotor em São Paulo. ‘Você não tem cara de aviador, porque aviador tem cheiro de gasolina’.
Depois de algumas internações recentes, como o senhor está de saúde? Tive um negócio chamado Flutter Atrial. De repente seu coração descompassa e fica uma coisa meio estranha, você está conversando com 140 BPM, daqui a pouco cai para 60. É uma arritmia. Me internaram e na cirurgia fizeram uma drenagem. Tive um acidente, furaram a próstata e tive que fazer a cirurgia de próstata. Já passou tudo e está lindo.