A renda das famílias de algumas das principais cidades que se espalham pela Caatinga, um dos biomas brasileiros mais ameaçados pelas mudanças climáticas, está muito abaixo do nível que seria necessário para cobrir suas despesas mais básicas. Essa distância, por sua vez, não só deixa essas pessoas mais vulneráveis aos efeitos das secas e outros eventos extremos, como também colabora para piorar o processo acelerado de desertificação que acomete a região. É o que afirma a Fundação IDH, organização global voltada para tornar os mercados agrícolas mais sustentáveis e inclusivos, com base em um estudo recente feito em parceria com a Anker Research Institute, centro americano de estudos sobre salário e renda, e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e divulgado com exclusividade por VEJA.
“A renda de quem trabalha no campo, quando insuficiente para uma vida sem privações, impossibilita a estruturação e a manutenção de cadeias produtivas com práticas regenerativas”, afirma Grazielle Cardoso, gerente do Programa Raízes da Caatinga, da Fundação IDH. O programa tem como foco de atuação a elevação dos rendimentos e da qualidade de vida da população rural dos territórios analisados no estudo, a fim de gerar impactos ambientais, econômicos e sociais positivos. Esta terça-feira, 17 de junho, foi escolhida pela Organização das Nações Unidas como o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca.
De acordo com a pesquisadora, o primeiro passo para o combate à degradação de terras na Caatinga é garantir a renda e o salário dignos desses profissionais. Assim, eles têm uma salvaguarda para se adaptar em caso de mudanças climáticas que afetem os territórios, além de conseguirem investir em práticas agrícolas mais sustentáveis. Após a garantia da estabilidade financeira, o programa passa a oferecer acesso ao crédito e ao mercado junto da assistência técnica, que consiste na divulgação de informações e orientações sobre o problema da degradação dos solos e como incluir práticas sustentáveis no dia a dia do trabalhador rural.
Os autores da pesquisa desenvolvem o cálculo detalhado dos valores necessários para custear alimentação saudável, educação, moradia, saúde e lazer, acrescentando 5% do valor como provisão para emergências e imprevistos, como o impacto de eventos climáticos. Os três estados mapeados foram divididos em macrorregiões – três na Paraíba, quatro no Rio Grande do Norte e três em Pernambuco –, devido às diferenças territoriais e custos de vida desiguais. O estudo estipula os rendimentos dignos para uma moradia com quatro pessoas, sendo dois adultos e dois dependentes de até 18 anos.
Segundo o Anker Research Institute e a Fundação IDH, foram estimados valores para famílias acima da linha da pobreza, aquelas que recebem menos de 872 reais a cada 30 dias. A proporção de famílias que vivem com menos do que esse valor nas regiões dos três estados analisados encontra-se, de forma geral, acima dos 60%. O caso mais severo é o da Mata Paraibana, onde 72% das famílias estão abaixo da linha da pobreza.
Veja os rendimentos definidos para as diferentes macrorregiões dos três estados do semiárido do Nordeste:
Paraíba
- Mata Paraibana – Renda digna: R$ 2.807; Salário digno: R$ 1.968
- Agreste Paraibano, Borborema e Sertão Paraibano – Renda digna: R$ 3.005; Salário digno: R$ 2.109
- João Pessoa (capital) e região metropolitana – Renda digna: R$ 3.947; Salário digno: R$ 2.624
Rio Grande do Norte
- Agreste, Potiguar e Leste Potiguar – Renda digna: R$ 3.530; Salário digno: R$ 2.556
- Central Potiguar e Oeste Potiguar – Renda digna: R$ 3.876; Salário digno: R$ 2.813
- Região metropolitana – Renda digna: R$ 4.179; Salário digno: R$ 2.706
- Natal (capital) – Renda digna: R$ 4.996; Salário digno: R$ 3.357
Pernambuco
- Agreste Pernambucano, Mata Pernambucana e Sertão Pernambucano – Renda digna: R$ 3.524; Salário digno: R$ 2.503
- São Francisco Pernambucano – Renda digna: R$ 3.762; Salário digno: R$ 2.673
- Recife (capital) e região metropolitana – Renda digna: R$ 4.400; Salário digno: R$ 2.977
A renda digna diz respeito ao dinheiro que uma família que depende exclusivamente da atividade agrícola ganha. Já o salário digno é o recebido pelo trabalhador agrícola contratado sob as Consolidações das Leis do Trabalho.
As chamadas práticas regenerativas consistem em maneiras de abordar a agricultura com modelos de produção que contribuem para o desenvolvimento sustentável na produção de alimentos, bioenergia e outros agroprodutos. A finalidade desses sistemas é assegurar a sustentabilidade do setor agrícola, além de construir um caminho para um futuro alimentar mais equitativo, saudável e resiliente. Além disso, pode ser uma solução valiosa no combate à desertificação.