O evento realizado no Palácio do Planalto para a sanção do projeto que zerou o imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais rendeu uma cena inesperada. Relator da proposta, o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) fez um longo discurso no qual garantiu ter uma relação “próspera, correta e tranquila” com Lula, enviou um “abraço especial” à ministra Gleisi Hoffmann e até projetou um possível quarto mandato do petista à frente da Presidência. Outrora vaiado pela militância petista, o deputado alagoano acabou aplaudido.
Lira jamais foi um aliado de primeira hora do governo Lula. Ao contrário disso, sempre foi visto com desconfiança dada a sua relação próxima ao ex-presidente Jair Bolsonaro. À frente da Câmara, o alagoano teve atritos com o chefe da Casa Civil, Rui Costa, e rompeu relações com o então articulador político, Alexandre Padilha.
O aceno ao governo acontece num momento em que a atual cúpula do Legislativo está em crise com o Palácio do Planalto. Convidados, os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), decidiram não comparecer ao evento. Na avaliação de governistas, a presença de Lira foi um sinal de que ele pode servir como um canal de diálogo com o Congresso em meio ao estremecimento da relação.
A prerrogativa pode aumentar o cacife de Lira num momento estratégico. Após quatro mandatos na Câmara, ele tentará no próximo ano uma cadeira no Senado, e terá entre os adversários o senador Renan Calheiros (MDB-AL), seu principal rival no estado e com quem trava batalhas a céu aberto.
Outra figura, porém, já teria demonstrado preocupação com a ascensão do ex-chefe da Câmara. Interlocutores de Davi Alcolumbre observaram em Lira a intenção de, se eleito senador, brigar pela poderosa cadeira de presidente do Congresso – o senador amapaense vislumbra a reeleição no posto em 2027. Lideranças do PL, que trabalham para formar uma grande bancada, já avisam que não o apoiarão novamente caso mantenha a resistência em aprovar o projeto da anistia, que Lira defende que seja pautado em plenário.
Assim, a decisão do Senado de acelerar a tramitação de um projeto alternativo sobre o IR enquanto o texto do governo estava travado na Câmara foi vista como uma maneira de fortalecer Renan Calheiros, presidente da comissão que avalizou o assunto, contra Lira. Além disso, após a reação dos deputados e a aprovação do texto enviado pelo governo, Alcolumbre decidiu entregar a Calheiros a relatoria da medida no Senado. Aliado de Lula, o senador alagoano também compareceu ao ato de sanção realizado na última semana no Planalto.
Do lado da Câmara, alguns movimentos de Lira também foram vistos como uma maneira de fazer sombra ao sucessor. O principal deles aconteceu durante o motim realizado pela oposição no plenário, quando Hugo Motta, numa demonstração de fraqueza, chegou a ser proibido de sentar-se à própria cadeira. O impasse só foi solucionado após lideranças do PL se reunirem com Lira numa conversa a portas fechadas.
Pessoas próximas a Motta já chegaram a aventar a possibilidade de Arthur Lira, cuja eleição ao Senado enfrenta dificuldade, desistir da disputa e permanecer na Câmara com o objetivo de voltar a presidir a Casa, o que ameaçaria o projeto de reeleição do paraibano. Lira já negou essa possibilidade. Ele pretende lançar o filho Álvaro Lira como deputado federal em 2026.