A operação da Polícia Federal deflagrada nesta quinta-feira, 27, com foco na rede de produção, fracionamento e comercialização clandestina do princípio ativo tirzepatida, presente no medicamento Mounjaro — contra obesidade e diabetes 2 –, descortina não só o problema da fabricação indevida de remédios, mas os riscos à saúde pública da circulação de fármacos sem o controle de qualidade exigido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que garante o uso de substâncias pela população apenas depois de um rigoroso escrutínio sobre a segurança e eficácia delas.
Na Operação Slim, são cumpridos 24 mandados de busca e apreensão em quatro estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Os alvos são clínicas, laboratórios, estabelecimentos comerciais e residências ligadas aos investigados.
Em nota, a PF informou que foi identificado um grupo que realizava envase, rotulagem e distribuição do medicamento de forma irregular, além disso, a estrutura montada para a fabricação não seguia padrões sanitários.
“Foram encontrados indícios de produção em série em escala industrial, prática não permitida no âmbito da manipulação magistral autorizada pela legislação vigente”, informou.
A tirzepatida, presente no Mounjaro, é produzida pela farmacêutica Eli Lilly, detentora do registro para comercialização no Brasil junto à Anvisa, de modo que outras versões, principalmente produzidas sem controle de qualidade e garantia de segurança para os usuários, não podem ser comercializadas.
A empresa mantém uma carta aberta para orientar a população sobre os riscos dos produtos adulterados, irregulares e manipulados à base da substância.
“Temos como preocupação as muitas discussões que giram em torno de produtos e tratamentos não comprovados que afirmam ser alternativas aos medicamentos reais. Esses produtos estão sendo amplamente divulgados e vendidos pela internet, redes sociais, em algumas clínicas de estética, farmácias de manipulação e centros de bem-estar — e colocam, potencialmente, as pessoas em risco”, diz a farmacêutica.
Em outras ações envolvendo canetas antiobesidade irregulares, a Anvisa e outras agências reguladoras informaram que há risco à saúde, pois os produtos podem conter insumos contaminados, dosagens incorretas e até a presença de substâncias que podem causar eventos adversos graves. No ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a fazer um alerta sobre esses riscos, quando as falsificações tinham outro alvo: a semaglutida, também usada no tratamento contra obesidade e diabetes.
Em 2023, o produto irregular causou graves problemas para os pacientes na Áustria. A autoridade sanitária austríaca informou que recebeu relatos de pessoas que foram hospitalizadas por terem apresentado convulsão e hipoglicemia após o uso, uma indicação de que o produto continha falsamente insulina em vez de semaglutida, de acordo com o órgão.
“As medidas cumpridas hoje visam interromper a atividade ilícita, identificar os responsáveis pela cadeia de produção e distribuição e recolher documentos, equipamentos e insumos que auxiliem na análise laboratorial e perícia técnica dos materiais apreendidos”, disse a PF sobre a operação.
Propaganda em plataformas digitais
A investigação da PF apontou que o produto feito de forma irregular era comercializado em plataformas digitais e não seguia nenhum “controle de qualidade, esterilidade ou rastreabilidade”. Na divulgação, o consumidor era induzido a acreditar que a produção do princípio ativo era permitida, o que não é verdade.
“A Lilly nunca vende Mounjaro (tirzepatida) original nas redes sociais, e caso você se depare com alguma opção de compra, saiba que é ilegal. Esses produtos são potencialmente falsificados ou estão sendo revendidos de maneira inadequada por um indivíduo que os obteve por meios não regulares. Ambas as práticas podem trazer riscos para sua saúde”, informa a farmacêutica.
Anvisa fecha o cerco contra canetas importadas
A Anvisa e Vigilâncias Sanitárias dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco atuaram na Operação Slim. A agência também está fechando o cerco contra canetas antiobesidade importadas sem registro no Brasil.
Na semana passada, um esclarecimento foi publicado sobre resoluções do órgão que proíbem a importação, distribuição, comercialização, fabricação, propaganda e uso de medicamentos à base de agonistas do GLP-1 com base na apreensão, desde setembro, de cinco produtos: Lipoless Eticos, Tirzazep Royal Pharmaceuticals, T.G. Indufar, Lipoless e T.G.5.
A medida leva em consideração o fato de que esses produtos “não tiveram qualidade, eficácia e segurança de uso” avaliados no país e informou que todas as modalidades de importação estão suspensas para as canetas antiobesidade sem registro no Brasil.
Os medicamentos contra obesidade e diabetes à base de agonistas do GLP-1, como tirzepatida (Mounjaro) e semaglutida (Wegovy e Ozempic), só podem ser vendidos com prescrição médica e retenção de receita, a mesma regra que vale para os antibióticos. A determinação entrou em vigor em junho deste ano diante do crescimento do uso indiscriminado e automedicação.