Como reagiria o governo brasileiro a uma ação militar russa na Venezuela? Seria tão veemente quanto ao condenar a concentração de forças dos Estados Unidos e ações por enquanto pontuais, como a explosão de narcobarcos? É aceitável que forças estrangeiras prestem ajuda a Nicolás Maduro e sua turma, num país fronteiriço com o nosso? O potencial de conflagração entre russos e americanos pode atingir níveis críticos?
Estas são algumas das muitas perguntas em aberto diante das confirmações sobre a atuação de militares russos para reforçar um regime sob risco de implosão com a pesada pressão americana.
O assunto está fervilhando desde notícias de fontes variadas sobre a presença de um general russo na Venezuela, Oleg Leontovitch Makarevitch, como parte do rodízio de comandantes de uma força especial de 120 tropas russas.
Segundo um site de assuntos militares chamado The Warzone, prestam um vasto assessoramento às Forças Armadas Bolivarianas, abrangendo manobras de infantaria, operação de drones, forças especiais, inteligência militar, blindados, aeronaves e até o uso de cães especialmente treinados. A unidade que ele comanda se chama Força-Tarefa do Equador.
EXPERIÊNCIA DE COMBATE
É de cair o queixo. O nome do general foi mencionado ao site por ninguém menos que o chefe da inteligência militar da Ucrânia, general Kirilo Budanov. É claro que os ucranianos têm interesse em detonar os inimigos russos, mas Budanov estava reagindo a perguntas sobre uma unidade especial russa deslocada para instruir tropas venezuelanas no uso de drones do tipo FPV, com câmera integrada que transmite vídeo em tempo real para um dispositivo de visualização (visão em primeira pessoa).
Os russos, tal como os ucranianos, tornaram-se altamente especializados no uso de drones por causa da guerra. Também acumularam experiência de combate num teatro operacional extremamente difícil, visto que são eles as tropas invasoras e enfrentam um inimigo que defende a própria pátria. A experiência em combate é praticamente insubstituível e, embora comentaristas militares ridicularizem os fiascos russos na Ucrânia, seria uma extrema tolice desconsiderar a capacidade militar deles.
Segundo o site The National Interest, a força comandada pelo general Makarevitch – obrigado a mostrar serviço, depois de ser removido de um comando importante na guerra da Ucrânia – é apenas uma parte da operação russa. O país tem enviado “aviões lotados de equipamento militar desde o início da crise geopolítica entre Caracas e Washington”.
Especulação: também haveria a presença de tropas do Grupo Wagner, como continua a ser conhecida a força mercenária que opera de maneira coordenada com o Ministério da Defesa da Rússia, e tem a vantagem de experiência de combate na selva, adquirida em intervenções em países africanos contra pagamento de regimes que compram os seus serviços.
POR BEM OU POR MAL
Imaginem todos os desdobramentos que um confronto, mesmo indireto, entre americanos e russos poderia ter. Um instrutor russo “mostra”a um venezuelano como disparar um míssil que atinge um avião americano? Está bom o tamanho da encrenca? Não há certeza se os Estados Unidos estão disposto a atingir alvos em território venezuelano e muito menos deslocar tropas para uma intervenção terrestre, mas o cenário de perigo está montado.
Por enquanto, está sendo feita uma monumental demonstração de força, com a concentração do porta-aviões Gerald Ford e outras embarcações bélicas dotadas do poderio que só a superpotência hegemônica tem.
Donald Trump não pode mobilizar todas estas forças e depois de algum tipo de acordo sobre uma futura saída de Maduro dar o assunto como encerrado. Seria uma desmoralização. Disse ontem que a questão será resolvida por bem ou por mal. “Seria melhor se pudermos poupar vidas” e resolver por bem.
Obviamente, é melhor para todos, inclusive o próprio Trump, confrontado por uma insatisfação interna que pode crescer, pois muitos de seus partidários o apoiaram justamente por ser contra as caríssimas e nem sempre bem sucedidas intervenções militares americanas no exterior.
Qualquer operação militar na Venezuela seria julgada nos Estados Unidos por este ângulo e Trump está num momento de aprovação em queda acelerada, acima de tudo por causa do custo de vida, sem sinais de arrefecimento apesar da propaganda do governo.
‘DURMA POUCO’
No momento, as atenções estão concentradas no plano de paz proposto pelos americanos e aceito pela Ucrânia – mas ainda sem resposta de Vladimir Putin. A Venezuela é, por enquanto, uma preocupação secundária, embora os militares americanos envolvidos estejam extremamente atentos
O chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Dan Caine, esteve esta semana em Trinidad Tobago e não foi para fazer turismo. Ele é um dos arquitetos da Operação Lança do Sul, como os americanos chamam a concentração de forças no Caribe. Todas as folgas do Dia de Ação de Graças e do Natal das tropas envolvidas foram suspensas.
É um jogo geopolítico de altíssimo risco. Muitos analistas militares enfatizam os perigos de uma intervenção na Venezuela simplesmente porque são antitrumpistas e querem que o presidente se dê mal, mas a presença de tropas russas, fora os cubanos que tradicionalmente dominam todo o aparato de inteligência da Venezuela, aumenta de forma exponencial o potencial de complicação.
Qual seria a saída “por bem” preferida por Trump? Maduro leva uma dura dos generais cooptados, pega seu banquinho e sai de mansinho para as delícias do exílio tropical em Cuba ou o inverno abissal da Rússia. Faz tudo combinado com os russos.
Num ridículo calendário para 2026 em que é o “garoto do mês” de janeiro a dezembro, Vladimir Putin afirma sobre sua receita para o sucesso: “Durma pouco, trabalhe muito e não reclame”. Pelo menos a primeira recomendação deve estar sendo seguida por Nicolás Maduro. Mas ainda paira a possibilidade de que desgraça que ele consumou na Venezuela, um país rico em petróleo com 90% da população vivendo na pobreza, se irradie pelo mundo. O sujeito tem o que se pode chamar de dedo podre e quer jogar muita sujeira no ventilador.