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Unesco estabelece salvaguardas essenciais para proteger inviolabilidade da mente

Os Estados-membros da Unesco deram um passo decisivo em direção à regulamentação da próxima fronteira do progresso humano, aprovando por aclamação durante reunião no fim de outubro em Samarcanda, no Uzbequistão, o primeiro marco normativo mundial sobre a ética da neurotecnologia. A recomendação, que entrou em vigor no dia 12 de novembro, estabelece salvaguardas essenciais para proteger os direitos humanos e a inviolabilidade da mente, frente ao rápido avanço das ferramentas capazes de interagir diretamente com o sistema nervoso.

A neurotecnologia, que engloba ferramentas para medir, modular e estimular o sistema nervoso, tem visto um aumento de 700% nos investimentos empresariais entre 2014 e 2021. Embora traga benefícios promissores, especialmente na medicina (como o alívio dos sintomas de Parkinson e a comunicação via interfaces cérebro-computador para pessoas com deficiência), seu uso em áreas não médicas permanece amplamente desregulamentado.

A aprovação encerra um processo abrangente iniciado em 2019, que utilizou a experiência anterior da Unesco com a ética da inteligência artificial. O texto final é resultado de um processo de dois anos que recebeu mais de 8.000 contribuições de especialistas, sociedade civil, setor privado e negociações intragovernamentais.

O principal funcionamento do marco é estabelecer proteções onde elas ainda não existem. Embora o uso médico da neurotecnologia já seja estritamente regulado, a recomendação propõe regulamentação específica para as novas áreas de aplicação, como o trabalho, a educação e o domínio comercial e do consumidor.

A Recomendação da Unesco aborda a complexidade do tema começando com uma definição crucial: os dados neuronais são considerados dados pessoais e sensíveis. “Este tipo de dados necessita de uma proteção jurídica especial e mais forte porque realmente tem a ver com o o funcionamento do nosso cérebro”, disse a VEJA Lidia Brito, diretora-geral adjunta de Ciências Naturais da Unesco.

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O marco também solicita que sejam incluídos na mesma categoria de dados sensíveis aqueles que permitem inferir emoções, níveis de atenção e outros estados mentais, dado o impacto que podem ter no comportamento do indivíduo.

Transparência

Muitos consumidores já utilizam neurotecnologia sem o saber, por meio de dispositivos comuns como smartwatches ou fones conectados, que monitoram estresse ou sono. Estes dispositivos coletam dados que podem revelar pensamentos e emoções e que correm o risco de serem compartilhados sem consentimento.

Para garantir a privacidade e a confiança na tecnologia, a Recomendação exige que seja assegurado o consentimento prévio, livre e esclarecido em qualquer domínio de aplicação. A transparência é uma exigência clara. No uso comercial, por exemplo, a Recomendação apela aos governos para que garantam leis robustas de proteção do consumidor.

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“A recomendação apela aos governos para que garantam leis de proteção do consumidor, que sejam sólidas e abrangentes e que incluam, por exemplo, a a rotulagem clara em produtos comerciais de neurotecnologia, detalhando os seus efeitos, as suas ações e os seus riscos”, disse Brito.

É fundamental que esta regulamentação evite alegações enganosas e proíba a exigência de divulgação de dados neuronais ou sensíveis como condição para aceder a bens ou serviços.

A recomendação foca também na proteção de populações vulneráveis, como crianças e adolescentes, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento. O marco desaconselha o uso de neurotecnologia para fins não terapêuticos neste grupo, além de exigir atenção especial a pessoas com deficiências, problemas de saúde mental e idosos.

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Outro domínio crucial abordado é o local de trabalho. O documento alerta contra o uso da neurotecnologia para monitorar a produtividade ou criar perfis de dados dos empregados. Os empregadores deverão fornecer informações abrangentes e transparentes aos trabalhadores sobre o funcionamento da tecnologia utilizada, os dados recolhidos, como são utilizados, e quem tem acesso a eles.

A recomendação reforça o princípio do consentimento prévio: os trabalhadores devem poder recusar a utilização de dados que lhes digam respeito pessoalmente.

Lídia Brito destacou que o trabalho da Unesco não se limita aos governos, mas inclui uma parceria fundamental com o setor privado. A organização planeja seguir o modelo da ética da Inteligência Artificial, trabalhando com empresas para garantir que os princípios éticos sejam integrados “no ciclo completo da tecnologia”.

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A meta é garantir que a inovação seja desenvolvida em uma base ética para que a humanidade possa se beneficiar de avanços importantes, como aqueles para pessoas que sofrem de Parkinson ou outras deficiências, garantindo que a tecnologia não seja excessivamente cara e inacessível.

Além da regulamentação, a Unesco planeja um esforço massivo de conscientização pública: “Nós também queremos fazer uma grande campanha de conhecimento do cidadão, da sociedade, do que são estas tecnologias, o que elas podem trazer e como o consumidor ou o utilizador pode ir buscar informação e a quem é que tem que exigir essa proteção”, disse Brito.

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