A Black Friday deixou de ser um evento importado e virou uma instituição brasileira. Não é exagero. Hoje, oito em cada dez brasileiros já compraram na data, sinal de que a Black Friday se enraizou no comportamento de consumo do país. O brasileiro transformou a data em estratégia de planejamento doméstico, e não apenas em um festival de descontos.
A pesquisa inédita do Instituto Locomotiva em parceria com a QuestionPro revela um consumidor cada vez mais racional, informado e atento. A imagem do comprador impulsivo já não dá conta de explicar o que está por trás da Black Friday de 2025. O que vemos é um consumidor estrategista. A maioria das pessoas monitoram os preços com antecedência, comparam, pesquisam, se organizam. A Black Friday virou uma ferramenta de gestão do orçamento familiar.
Esse comportamento ganha força especialmente às vésperas das festas de fim de ano. Muitos brasileiros que pretendem comprar na Black Friday planejam antecipar as compras de Natal. Entre mulheres e famílias com filhos, que tradicionalmente assumem o papel de gestoras da dinâmica doméstica, esse movimento é ainda maior. A Black Friday mudou o calendário de consumo e se tornou parte da lógica de previsibilidade financeira das famílias.
Ao mesmo tempo, a data carrega uma ambiguidade interessante. Se, por um lado, 80% dos brasileiros veem a Black Friday como oportunidade de adquirir itens que não cabem no orçamento, por outro, mais da metade reconhece que ela também pode estimular o consumo desnecessário. A tensão entre desejo e responsabilidade é um retrato fiel do país real, o mesmo Brasil que sonha, mas que faz conta antes de comprar.
Outro dado relevante é a consolidação das categorias mais desejadas: roupas, calçados, produtos de beleza e eletrônicos seguem liderando a intenção de compra. Não por acaso. Moda, cuidados pessoais e tecnologia são marcadores de autoestima, pertencimento e inserção social, três dimensões que ajudam a explicar por que esses setores continuam puxando o varejo mesmo num cenário de retomada gradual do poder de compra.
A racionalidade do consumidor aparece ainda na forma como escolhe onde comprar. Preço e custo do frete são fatores decisivos, mas dividem espaço com algo que, há alguns anos, não entrava no debate da Black Friday: reputação. A confiança ganhou peso. O brasileiro aprendeu que promoção boa não é só preço baixo, é loja confiável, entrega garantida, respeito ao consumidor. Essa busca por segurança explica por que o consumidor recorre ao Google, ao Reclame Aqui e a sites de comparação antes de finalizar a compra. A Black Friday deixou de ser um salto no escuro para se tornar um processo de tomada de decisão cada vez mais sofisticado. É a digitalização da vigilância do consumidor.
Mais do que revelar hábitos de compra, a Black Friday expõe um país que equilibra bem os desafios econômicos com o desejo de inclusão e pertencimento. O brasileiro gosta de desconto, sim. Mas gosta ainda mais de sentir que está fazendo um bom negócio. Que está comprando de forma inteligente. Que está, de alguma forma, tomando as rédeas da própria vida financeira.
A Black Friday se tornou parte da rotina das famílias brasileiras. Um ritual anual de organização, expectativa e, para muitos, de conquista. O desafio agora é compreender esse consumidor que pesquisa, compara, planeja, monitora preços, checa reputação e tenta, dia após dia, fazer seu dinheiro render. Para o varejo, é a chance de transformar a promoção em relação. Para o país, é o espelho de uma sociedade que mudou a forma de consumir.