O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na noite de terça-feira 25 que descartou a imposição de um prazo para que a Ucrânia aceite um plano de paz apresentado pelo seu governo. A versão original roteiro para encerrar a guerra no Leste Europeu, elaborado nos bastidores entre seletas autoridades americanas e russas, foi considerada amplamente desfavorável a Kiev, que desde o último domingo negocia mudanças com Washington.
Também na terça, a imprensa americana noticiou que uma delegação ucraniana em Abu Dhabi para tratativas com o secretário do Exército dos Estados Unidos, Dan Driscoll, havia aceitado “a base” para um acordo, mas ainda há impasses em pontos-chave.
Trump trabalhava com a data desta quinta-feira, 27, dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, como prazo limite para o aceite. Mas, em uma reviravolta, ele declarou: “O meu prazo é quando tudo acabar”, afirmou o presidente.
O republicano disse ainda que negociadores americanos estão avançando nas discussões com a Rússia e a Ucrânia, e que Moscou havia concordado com algumas concessões. Seu enviado especial, Steve Witkoff, deve se reunir com o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou, segundo Trump. Seu genro Jared Kushner também estaria envolvido nas tratativas.
Após Driscoll reunir-se com as delegações ucraniana e russa em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes, ao longo de segunda e terça-feira, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, afirmou estar preparado para discutir os pontos sensíveis da proposta com Trump durante um discurso para a chamada Coalizão dos Dispostos, que reúne seus principais aliados europeus. O líder pediu ainda que a coalizão elabore um plano para enviar uma “força de apoio” à Ucrânia e mantenha a pressão sobre Moscou.
Proposta dos EUA
A proposta para encerrar a guerra da Ucrânia começou a ser alterada em negociações no domingo 23 depois de Kiev rejeitar o texto como está pelo teor pró-Rússia dos termos. Na segunda-feira 24, Trump falou em um “grande progresso” nas tratativas e disse que “algo bom pode estar acontecendo”, mas vários impasses, em especial em torno da concessão de territórios ucranianos ao agressor, continuam.
“Será mesmo possível que um grande progresso esteja sendo feito nas negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia??? Não acreditem até verem, mas algo bom pode estar acontecendo. DEUS ABENÇOE A AMÉRICA!”, escreveu Trump em uma publicação nas redes sociais.
No domingo, Washington e Kiev publicaram uma declaração conjunta após o início de tratativas em Genebra, afirmando que qualquer acordo futuro “deve respeitar integralmente a soberania da Ucrânia e garantir uma paz justa e sustentável”. As partes informaram que elaborou um plano de paz “atualizado e aprimorado”.
Em discurso por vídeo ao Parlamento sueco na segunda0-feira, Zelensky afirmou, porém, que ceder território de seu país à Rússia segue como o “principal problema” após as negociações.
“(Vladimir) Putin quer reconhecimento legal para o que roubou. Isso violaria o princípio da integridade territorial e da soberania”, disse ele aos parlamentares, insistindo que “fronteiras não podem ser alteradas pela força”.
Moscou, por sua vez, evitou se posicionar sobre as mudanças.
O que está na versão original do plano?
Inspirado no plano de 21 pontos para a paz em Gaza, este tem 28, que no seu conjunto preveem o cumprimento de uma série de exigência maximalistas de Moscou, em espécie de rendição de Kiev, segundo apuração do portal Axios e das agências de notícias AFP e The Associated Press.
De acordo com documentos preliminares, a Ucrânia cederia a região de Donbass à Rússia, uma exigência antiga de Moscou. “Crimeia, Luhansk e Donetsk serão reconhecidas como território russo de fato, inclusive pelos Estados Unidos”, diz o texto. Kiev ainda controla parcialmente as regiões de Luhansk e Donetsk, que juntas formam o cinturão industrial de Donbass, na linha de frente da guerra. A Crimeia foi anexada pela Rússia em 2014.
Segundo a proposta, as áreas de onde a Ucrânia recuaria em Donetsk seriam consideradas uma zona desmilitarizada, na qual as forças russas não entrariam. Enquanto isso, as regiões de Kherson e Zaporizhzhia, no sul – que a Rússia alega ter anexado –, teriam as linhas de frente “congeladas”, efetivamente dando aos russos o controle das terras que já ocupa. Nelas está a usina nuclear de Zaporizhzhia, que, controlada por Moscou desde 2022, passaria para a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão de fiscalização nuclear das Nações Unidas. A eletricidade produzida lá seria compartilhada entre a Rússia e a Ucrânia.
Na área de segurança, plano exige que a Ucrânia reduza seu exército quase pela metade, para 600 mil soldados. A Otan concordaria em não enviar soldados à Ucrânia – frustrando as esperanças de Kiev de ter uma força europeia de manutenção de paz – e o país seria impedido de ingressar na aliança militar ocidental. O ponto também está de acordo com condições da Rússia, e contraria as exigências anteriores dos ucranianos.
A Ucrânia receberia “garantias de segurança confiáveis”, mas sem especificar quais. O plano concede que aviões europeus seriam estacionados na vizinha Polônia.
Na área de diplomacia, Moscou seria “reintegrada à economia global” após quase quatro anos de duras sanções, inclusive com sua readmissão no G8 (hoje G7, grupo das sete maiores economias do mundo). “Espera-se que a Rússia não invada os países vizinhos e que a OTAN não se expanda ainda mais”, afirma o documento. Caso houvesse uma nova invasão à Ucrânia, todas as sanções seriam restabelecidas novamente – “além de uma resposta militar decisiva e coordenada”.
Ademais, US$ 100 bilhões em ativos russos retidos em bancos europeus seriam destinados à reconstrução da Ucrânia, enquanto os fundos congelados restantes seriam direcionados a um fundo de investimento russo-americano separado, “com o objetivo de fortalecer as relações e aumentar os interesses comuns para criar um forte incentivo para não retornar ao conflito”.
O plano afirma ainda que a Ucrânia realizaria eleições em até 100 dias, e que tanto Kiev quanto Moscou implementariam “programas educacionais em escolas e na sociedade com o objetivo de promover a compreensão e a tolerância a diferentes culturas e eliminar o racismo e o preconceito”.
Ainda não está claro o que foi alterado ao longo da semana. Segundo a emissora americana ABC News, o plano de paz de 28 pontos apresentado pelos EUA teria sido revisado para 19 pontos, que não inclui mais a questão da anistia para atos cometidos durante a guerra, assim como limites para o tamanho das Forças Armadas ucranianas no futuro.