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O maior problema de saúde do país hoje, segundo ex-ministro de Lula

Ministro da Saúde no segundo governo Lula (de 2007 a 2010), José Gomes Temporão, 74 anos, lidera, nesta quinta-feira, 27, Dia Nacional de Combate ao Câncer, o Seminário Internacional Controle do Câncer no Século XXI: desafios globais e soluções locais, organizado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, no Hotel Windsor Flórida, no Flamengo, zona sul do Rio. Com a presença do atual ministro da pasta, Alexandre Padilha, o evento, que vai até sexta-feira, 28, terá como foco o debate entre combate e controle do câncer, conceito defendido por Temporão. À coluna GENTE, o médico antecipa as expectativas para o seminário e analisa o atual cenário da agenda pública de saúde no país.

Qual é o objetivo do seminário e o que o senhor espera do evento? Tradicionalmente, os eventos sobre câncer focam em novas drogas e inovações, mas discutem pouco as dimensões estruturais: fatores de risco, acesso, desigualdades, necessidade de inovação nacional e diferenças regionais. Neste seminário, buscamos reunir todas essas dimensões e convidar especialistas de alta qualificação para ampliar essa visão.

Qual é a expectativa do evento? Esperamos que a Fiocruz possa, a partir dos debates, elaborar sugestões ao governo brasileiro e ao Ministério da Saúde para qualificar a política de atenção ao câncer. Também queremos divulgar para a sociedade informações de qualidade, porque entendemos que educação e informação são dimensões estratégicas. Vivemos um período crítico, com fake news e ataques à ciência, algo que antes não existia nessa intensidade. Essa dimensão da educação e da informação qualificada será um tema central.

Por que usar “controle” e não “combate” ao câncer? Houve um período, no governo Nixon, nos Estados Unidos, em que existia a fantasia de que a ciência encontraria uma “bala de prata” que resolveria o câncer. O que se viu é que o problema é muito mais complexo. Medidas de prevenção ligadas a fatores de risco – tabagismo, exposição ao sol, alimentação inadequada, atividade física e vacinação – são decisivas. Vacinas como HPV e hepatite B previnem dois cânceres extremamente importantes e prevalentes. Por isso “controle”: não existe solução mágica. 

Para o senhor, qual é hoje o maior problema de saúde do país? É a desigualdade no acesso. Por exemplo, o tempo entre diagnóstico e início do tratamento no SUS é maior do que no setor privado. E mesmo dentro do privado há desigualdade, dependendo do tipo de plano. Além disso, há dimensões culturais e socioeconômicas que influenciam: desde homens que evitam o toque retal até mulheres que têm receio do exame ginecológico em certas localidades. E, claro, diferenças regionais enormes entre grandes centros e regiões como a Amazônia.

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Como o negacionismo atrapalha a saúde? Hoje todos têm acesso a uma enxurrada de informações na palma da mão, inclusive crianças. E como não há consenso sobre a regulação das plataformas, circula de tudo. Outro dia me deparei com uma propaganda de um medicamento falso contra câncer no Instagram. Denunciei, e a plataforma respondeu que o anúncio “não fere a política da empresa”. E isso continua sendo disseminado, inclusive por profissionais de saúde, por interesses diversos. Isso cria insegurança: o cidadão fica sem saber no que acreditar.

O senhor citou o tabagismo. Por que essa campanha teve tanto sucesso? Porque o Brasil fez um trabalho contínuo de décadas, envolvendo escolas, profissionais de saúde, leis e restrições de propaganda. Há 30 anos, 35% dos adultos fumavam. Hoje, são 10%. Resultado de políticas integradas.

As divergências sobre a vacina ficaram evidentes na pandemia. O senhor observa algum dano hoje? A cobertura vacinal caiu e aumentou o número de mortes de crianças por doenças evitáveis. De 2022 para cá houve recuperação, mas ainda não retomamos os níveis de dez anos atrás. E o problema continua. Recentemente, o ministério precisou acionar a Justiça contra médicos que inventaram uma doença inexistente e afirmavam que vacinas de covid causariam essa condição. É gravíssimo e exige vigilância permanente.

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Como a polarização impacta a vacinação e atenção básica? Há parlamentares negacionistas, inclusive terraplanistas, e isso atrapalha políticas essenciais para a defesa da vida. Alguns podem realmente acreditar nessas mentiras; outros usam politicamente. Ambos os casos são graves. Comunicação de massa sempre foi um campo decisivo. Por isso teremos uma mesa específica sobre comunicação no seminário.

Como o governo atual vem lidando com esses temas? Muito bem. Houve mudança radical desde a gestão de Nísia Trindade e agora com o ministro Padilha. A ciência voltou ao centro. O Ministério da Saúde voltou a ser um ministério de políticas de saúde, prevenção e proteção. O desafio é que a sociedade continua dividida, o que facilita a circulação de fake news.

O SUS completou 37 anos. Como vê o sistema atualmente? O SUS é a política pública de maior sucesso da história da República. Referência em atenção primária, transplantes, programa de imunização e combate à AIDS. Mas sofre com subfinanciamento, problemas de gestão e desigualdade entre municípios. Há locais com avaliação excelente e outros com avaliação ruim. Mesmo assim, é uma conquista civilizatória. Em poucos países se entra em uma UPA ou unidade básica sem pagar nada.

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Há alguma mudança capaz de evitar a sobrecarga do sistema? A principal é colocar mais dinheiro na saúde. O setor privado gasta o dobro do SUS para atender um terço da população. Isso mostra que falta financiamento e que também precisamos de gestão mais eficiente.

Por que ainda há quem menospreze o SUS? Quem não usa costuma menosprezar mais do que quem usa. Mas a pandemia mudou isso: parte da classe média passou a valorizar mais o sistema.

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