A guerra em Gaza abriu um “abismo produzido pelo homem” e deixou uma conta de reconstrução que pode ultrapassar US$ 70 bilhões (cerca de R$ 377 trilhões), segundo um relatório divulgado nesta terça-feira, 25, pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). O documento afirma que dois anos de ofensiva israelense e restrições estruturais “comprometeram profundamente todos os pilares de sobrevivência” dos mais de 2 milhões de palestinos, empurrando a população para um estado de “empobrecimento extremo e multidimensional”.
A organização intergovernamental, parte do Secretariado das Nações Unidas, estima que a economia de Gaza encolheu 87% entre 2023 e 2024, levando o PIB per capita a apenas US$ 161 — um dos mais baixos do mundo. A devastação eliminou décadas de avanços: até o final de 2024, o PIB palestino voltou ao patamar de 2010, enquanto a renda média recuou ao nível de 2003. O progresso de 22 anos foi anulado apenas 15 meses. Mais de 174 mil estruturas foram destruídas ou danificadas, o equivalente a 70% de todas as edificações de Gaza, incluindo fábricas, hospitais, universidades, sistemas de água e energia e até bancos.
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Situação humanitária crítica
Na Cisjordânia, o quadro também se agrava. O relatório aponta que a expansão acelerada de assentamentos, a escalada da violência e as restrições severas à circulação “dizimaram a economia local”. Entre 2023 e 2024, o PIB da região caiu 17%, enquanto o PIB per capita retrocedeu quase 19% — retornando aos níveis de 2008 e 2014. Paralelamente, Israel reteve US$ 1,76 bilhão (mais de R$ 9,4 bilhões) em repasses fiscais desde 2019, o equivalente a 12,8% do PIB palestino em 2024, dizimando a capacidade da Autoridade Palestina (AP) de pagar salários, manter serviços básicos e estabilizar as finanças públicas.
O Programa Mundial de Alimentos afirma que a maioria das famílias não consegue comprar nem mesmo itens essenciais, mesmo após uma leve queda de preços. A dieta da população se resume a cereais, leguminosas, pequenas quantidades de laticínios e óleo. Carne, frutas e vegetais praticamente desapareceram. Sem gás de cozinha, famílias queimam plástico e resíduos para preparar alimentos.
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Frágil cessar-fogo
A publicação do documento acontece em meio ao cessar-fogo mediado pelos Estados Unidos, em vigor desde outubro, após quase dois anos de conflito entre Israel e o grupo militante palestino Hamas. Mesmo com a trégua, o Ministério da Saúde de Gaza afirma que 342 palestinos foram mortos por tropas israelenses desde então. Israel registrou a morte de três soldados por disparos de militantes no mesmo período.
Nesta terça, Hamas e Jihad Islâmica devolveram os restos mortais de mais um refém israelense, encontrados em Nuseirat. Com o início da trégua, os combatentes entregaram 25 corpos de reféns, enquanto Israel repatriou 330 corpos de palestinos, a maioria ainda sem identificação.
O governo israelense pressiona para acelerar a devolução dos restos mortais e ameaça retomar operações militares se todos os reféns mortos não forem localizados. O Hamas afirma que parte dos corpos continua soterrada sob escombros deixados pela ofensiva israelense.
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Reconstrução incerta
Em paralelo às negociações, avança o planejamento da força internacional de estabilização de Gaza (ISF), aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU. A Indonésia declarou nesta terça estar pronta para enviar tropas, incluindo batalhões de engenharia, equipes médicas, navios-hospital e aeronaves militares, dependendo apenas de uma ordem formal do presidente Prabowo Subianto.
Pelo plano, idealizado pelos Estados Unidos, haveria ainda uma autoridade de transição supervisionada pelo presidente Donald Trump e a abertura de um “caminho” para discussões sobre um futuro Estado palestino.
Apesar da aprovação, especialistas alertam que não há clareza sobre como financiar, executar ou administrar a reconstrução, especialmente diante dos cálculos bilionários e da instabilidade política. A UNCTAD afirma que mesmo com ajuda substancial, levará décadas para o PIB de Gaza retornar ao nível pré-outubro de 2023.