Na edição recente das medidas provisórias do setor elétrico, a proposta era enfrentar a explosão da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo que já custa perto de R$ 65 bilhões por ano aos brasileiros, considerando seu valor e os impostos que incidem sobre ele.
Esses custos são pagos não apenas nas contas de luz, mas também embutidos em tudo o que se consome e se produz no país. Trata-se de um custo que, se fosse tratado como tributo de forma não cumulativa, poderia ao menos evitar a contaminação dos preços de toda a cadeia produtiva nacional, que hoje se torna menos competitiva por causa da energia cara.
A verdade, porém, é que a CDE não será congelada. O que se pretende congelar é aproximadamente metade de seu montante atual, associada aos subsídios dirigidos a determinados geradores. Os demais componentes — como a Conta de Consumo de Combustíveis, a tarifa social e os custos de universalização — continuarão crescendo em valores reais.
Mais grave: as tarifas subirão em velocidade ainda mais acelerada, porque a base de consumidores pagadores da CDE está diminuindo rapidamente. Diante do aumento constante desses encargos, muitos consumidores buscam rotas de fuga por meio da geração distribuída ou de outros modelos criativos de autoprodução, reduzindo a arrecadação do sistema e ampliando a distorção.
Além disso a fila do encargo que mais assusta andou. Agora temos no Encargo de Reserva de Capacidade – Ercap, a nova CDE. A preocupação se volta a esse “irmão mais novo” da CDE que tende a explodir nos próximos anos. O governo fala em contratar até 15 mil MW de termelétricas e outros tantos megawatts de baterias em leilões a serem realizados em breve, e ainda dá possível retomada do projeto de Angra 3 a preços elevadíssimos e também como reserva — enquanto o Congresso Nacional promove a contratação de mais 12 mil MW de biomassa, PCHs e carvão.
Como ficará o setor e seu mercado de energia nesse cenário? Absolutamente sobreofertado e inoperável. A grande distorção é que a chamada “reserva de capacidade” tem sido desenhada de forma equivocada. Assim como o jogador reserva de um time de futebol só entra em campo quando o titular não pode jogar, a verdadeira reserva de capacidade deveria ser acionada em momentos críticos — quando o preço da energia sobe muito, ou quando há queda abrupta na produção solar. Deveria firmar as fontes renováveis e aumentar a eficiência do sistema e não encarecê-lo e carbonizá-lo.
O correto seria contratar usinas ou sistemas de armazenamento e resposta da demanda que, seguindo sinais de preço corretos, equilibrem o sistema nesses momentos de escassez. Contudo, o que está sendo contratado na prática são usinas que produzem ao longo de todo o dia, deslocando a geração renovável e ampliando o problema do curtailment (desperdício de energia). O resultado será um mercado distorcido, com sobreoferta em alguns períodos, preços de curto prazo contaminados e maior custo estrutural para o sistema.
Se o setor elétrico continuar seguindo o rumo atual, estaremos nos aproximando de um colapso, seja no atendimento físico do sistema, seja na sustentabilidade de seu mercado.
Mais do que nunca, é fundamental que as lideranças reais do mundo da energia e dos consumidores avancem na articulação que já vêm construindo, com apoio de suas entidades representativas. É preciso ir muito além do enfrentamento à geração distribuída: o desafio é político e estrutural.
No ano da COP30 e às vésperas de um novo ciclo eleitoral, o Brasil tem a oportunidade — e a responsabilidade — de defender um projeto nacional de energia limpa, barata e segura, que realmente sirva à sociedade brasileira e não se perca nas engrenagens de interesses e lobbies menores.
*Paulo Pedrosa é presidente da Abrace Energia, associação que representa os grandes consumidores de energia elétrica e gás natural