A partir de março de 2026, redes sociais, aplicativos, jogos on-line e qualquer outro serviço digital acessado por menores terão que seguir novas regras de segurança. É quando entra em vigor o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, o ECA Digital, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em setembro de 2025. A legislação, pioneira nas Américas, estabelece padrões mínimos de proteção infantil e responsabiliza empresas de tecnologia por riscos e exposições que até então recaem quase exclusivamente sobre as famílias. A aprovação foi acelerada depois que o influenciador Felipe Bressanin Pereira, conhecido como Felca, publicou um vídeo que expôs a exploração de crianças em plataformas digitais, fenômeno que reacendeu o alerta sobre a “adultização” de menores na internet e impulsionou a redação final da lei, que passou a ser apelidada informalmente de “Lei Felca”.
Com a implementação das mudanças, contas de menores de 16 anos deverão estar vinculadas a um responsável legal, que poderá acompanhar a atividade do menor de idade on-line, definir limites, autorizar compras e restringir interações. Conteúdos considerados prejudiciais – como pornografia, violência extrema, automutilação, apologia ao suicídio, jogos de azar, venda de álcool, cigarros e publicidade enganosa voltada a jovens, deverão ser bloqueados automaticamente.
“A lei deixa claro que as empresas não são intermediárias neutras. Elas têm responsabilidade direta sobre o ambiente digital em que crianças circulam”, afirma o advogado Pedro Henrique Monteiro de Barros da Silva Néto, especialista em Direito Digital e Head de Compliance e Proteção de Dados para o Terceiro Setor no escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados).
O ECA Digital também fortalece os direitos das famílias sobre o uso de dados de crianças e adolescentes. Os pais poderão exigir que as empresas expliquem, de forma simples e compreensível, quais informações coletam, o motivo pelo qual precisam delas e por quanto tempo serão armazenadas. Eles terão direito de acessar, corrigir ou pedir a exclusão completa dos dados e as plataformas terão 15 dias para responder. “Um ponto central é a proibição total de publicidade direcionada a menores. Mesmo com autorização dos pais, esse tipo de prática não será permitido”, destaca o advogado. Se uma empresa ignorar pedidos legítimos ou usar dados de forma irregular, será possível denunciá-la à Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), ao Ministério Público ou, em casos mais graves, às polícias Civil e Federal.
Nenhuma configuração tecnológica, no entanto, substitui o diálogo, que, de acordo com especialistas, deve ser aliado nas ações de proteção aos menores de idade. Segundo o psiquiatra Jorge Jaber, conversas regulares, com linguagem adequada à idade, são fundamentais para que crianças e adolescentes reconheçam riscos e se sintam confortáveis em pedir ajuda quando algo provoca desconforto ou medo. É importante também observar mudanças repentinas de comportamento, como isolamento, irritação ao usar o celular, queda no rendimento escolar ou alterações de sono e apetite, sinais que tem potencial de indicar cyberbullying, contato com desconhecidos ou exposição a conteúdos traumáticos. Em casos de risco, o Conselho Tutelar pode orientar a família. Denúncias de crimes on-line, como aliciamento, ameaças ou compartilhamento de imagens íntimas, devem ser feitas nas delegacias especializadas.