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Como Globo pagou ‘dívida histórica’ com Benedito Ruy Barbosa

Bruno Luperi se tornou um dos principais autores da TV Globo produzindo e reescrevendo clássicos do seu avô, Benedito Ruy Barbosa. Após Pantanal, de 2022, emendou Renascer, em 2024. Ambos os remakes, de produções originais da extinta TV Manchete, além do sucesso de audiência, receberam láureas da crítica especializada. Convidado do Obitel 2025, evento que ocorre até 26 de novembro na PUC-Rio, reunindo pesquisadores e profissionais para discutir a ficção televisiva, Bruno recorda nuances e curiosidades dessa adaptação que, para ele, traz um “conceito ambiental” forte a respeito do papel do homem inserido na natureza.

BRIGA NA JUSTIÇA. “O processo foi se arrastando durante muitos anos na Justiça, movido pela minha família (após o decreto de massa falida da Manchete, o SBT comprou os direitos de novelas da emissora. A família de Benedito precisou brigar para reaver suas obras e, só então, negociar as adaptações com a Globo). Quando isso acabou, meu avô não queria vender (os direitos autorais da novela), porque tinha medo que alguém mexesse naquilo sem entender o quanto era importante para ele. (…) Apesar de ela ter uma outra leitura sobre o meio ambiente, tinha uma premissa muito forte sobre o homem se resumir ao seu papel dentro da natureza. É um conceito ambiental. Assim chegaram no meu nome, que manteria essa linhagem do meu avô”.

CONVENCENDO O ELENCO. “Fui conversar com o Murilo Benício para fazer a novela, ele falou para mim: ‘Mas por que a gente vai fazer isso? O que a gente pode ganhar mexendo numa novela que já foi um sucesso estrondoso? O melhor que a gente vai fazer é bater no resultado que ela teve’. A chance de sucesso era muito curta. Aí comecei a contar sobre o personagem, sobre a importância da releitura, do quanto a sociedade tinha caminhado. Eu enxergava a nossa função enquanto agentes nesse processo todo, para retratar o Pantanal atual. E ele aceitou”.

‘NÃO’ DA GLOBO.Pantanal nasce do sonho do meu avô, ele tentou durante nove anos fazer essa novela dentro da TV Globo, sob o título Amor Pantaneiro, mas encontrou muita resistência lá dentro. Porque o sonho dele era filmar in loco. Não era se apropriar da imagem do Pantanal, recriar o Pantanal estético-cenográfico, era um projeto muito ambicioso. Mas Boni achou que não valia a pena, que ia dar problema. ‘Atriz da Globo não mija no mato’, essas coisas. Aí ele foi fazer a novela na Manchete (em 1990). Boni falou para ele: ‘Vai, quebra a cara e volta, porque se for fazer essa novela, vai ser um fracasso’”.

PAROU O PAÍS. “Meu pai, na época trabalhava na Embraer, fazia parte do sindicato, e conta que tudo parava para assistir à novela. Foi o fenômeno criado por uma novela que a gente não vai ver mais.  Uma novela analógica, num mundo onde todo capítulo era um capítulo inédito, não tinha essa possibilidade de se rever o capítulo”.

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DÍVIDA HISTÓRICA. “Quando recebi esse desafio, o (Luiz Henrique) Schroeder, na época diretor da Globo, propôs o remake, mas tinha muita questão burocrática e contratual para ser negociada, e o que me fez entender que era realmente algo maior do que eu. Schroeder falou uma coisa que ficou marcada: ‘A gente precisa pagar uma dívida histórica que temos com seu avô’. Por isso topei. Foi uma promessa que meu avô fez para gente a vida inteira, ele sempre jurava que ia levar todos os netos para o Pantanal, e nunca levou. Aí eu fui para escrever a novela dele”.

RESPEITO PELO ORIGINAL. “O remake partiu do respeito da Globo de entender que era mais do que uma obra, do que uma ação oportunista de fazer um sucesso, era uma oportunidade de prestar um tributo para um autor precursor, um dos gênios do gênero, um dos imortais da televisão, acho que partiu de um desejo muito legítimo nesse sentido, de uma humildade grande minha da direção, da produção, de fazer um trabalho à altura. Sem o intuito de deixar pegadas nossas, de assinar embaixo, de alguém buscar uma autoria”.

UM AVIÃO NO AR. “Brinco que o meu trabalho foi ver a novela inteira e entendê-la como um avião peça por peçoa, desmontar esse avião inteiro, remontar de forma que ele fizesse um voo tão bonito quanto, mas que as pessoas que vissem esse voo falassem: ‘nossa, é o mesmo avião’. Mesmo ele não sendo”.

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RESSIGNIFICAR O HERÓI. “Muitas coisas que o José Leôncio fazia na primeira versão da novela hoje são tipificadas em lei, como abuso de vulnerável, cárcere privado… É delicado, não pode pôr isso no protagonista, a novela tem essa responsabilidade social e moral. Toda essa delicadeza de ressignificar as coisas passa por entender que ele tem suas limitações intelectuais, que é formado pelo seu contexto, é um produto da sua cultura e do lugar que estava”.

 SER HONESTO. “O intuito dessa novela era falar sobre o quanto é urgente a gente olhar para o nosso mundo, cuidar da natureza, que se ressignifique nosso olhar. O mais irônico é que, na época do meu avô, o pecuarista era um cowboy, um herói. No meu tempo, esse cara é o mais execrado, é o cara do agro, o cara que está pisando mais perto da vilania do que do heroísmo. Essas batalhas todas tiveram que ser tratadas e gritadas. Entendo a novela como a fotografia do tempo, onde a minha função enquanto autor não é apontar o certo, é apontar o retrato. Meu trabalho é ser honesto. Se tiro uma foto, meu maior trabalho é entender se todos estão ali”.

 CONSERVADOR X FALSO MORALISTA. “Tenório surge (…), fui tentar entender esse cara no olhar político que a gente tinha naquele momento no Brasil, um Brasil dividido, polarizado, e defini no meu coração que não tenho nenhum problema com conservadores, tenho problema com o falso moralista. Nesse corte, consegui entender e tangenciar quem era José Leôncio e quem era Tenório. José Leôncio é conservador. E o conservador nada mais é do que alguém que conquistou um espaço e não tem interesse de mudar com as novas gerações. Ele quer manter os astros rolando devagar. Ele já está no seu espaço. O falso moralista, a gente tem base em vários exemplos inspirados por aí”.

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Bruno Luperi e a mediadora Ana Paula Goulart, durante o Obitel 2025, na PUC-Rio –Valmir Moratelli/VEJA

 

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