A Comissão Europeia anunciou nesta sexta-feira, 21, a abertura de um processo de infração contra a Eslováquia após o país aprovar uma emenda constitucional que estabelece a supremacia das leis nacionais sobre a legislação da União Europeia em questões de identidade de gênero, família e conteúdo escolar. A nova redação da Carta Magna passa a reconhecer apenas dois gêneros “biologicamente determinados”, o que para ativistas representa um retrocesso nos direitos da comunidade LGBTQIA+.
Segundo Bruxelas, a mudança viola o princípio da primazia do direito europeu — base que garante a aplicação uniforme das normas da comunidade europeia. A comissão enviou uma notificação formal ao governo eslovaco e deu dois meses para resposta, lembrando que as constituições nacionais não podem contrariar os fundamentos jurídicos do bloco.
Alteração
A mudança, aprovada em setembro pelo governo do primeiro-ministro Robert Fico, aprofundou o atrito entre Bratislava e Bruxelas. Líder populista de perfil pró-Rússia, Fico tem acumulado choques com parceiros europeus em temas como a guerra na Ucrânia, políticas ambientais e debates sociais.
O premiê, por ora, rejeitou qualquer possibilidade de recuar. Em pronunciamento transmitido pela TV, ele afirmou que a emenda se limita “a temas de identidade nacional” e não interfere em áreas onde o bloco tem competência legislativa. “Não haverá alteração na Constituição. É fora de cogitação e não há motivo para isso”, declarou ele.
O novo texto constitucional estabelece que apenas os gêneros masculino e feminino serão reconhecidos oficialmente, determina que currículos escolares sigam as “posições culturais e éticas” previstas na Carta Magna e endurece regras de adoção, excluindo casais homossexuais — já impedidos de casar-se legalmente desde uma mudança constitucional de 2014. O texto proíbe ainda a barriga de aluguel, em qualquer modalidade.
Agenda conservadora
As medidas fazem parte de uma agenda conservadora que Fico tem impulsionado desde sua volta ao poder. A guinada também viu atacados os princípios da democracia liberal, com sua defesa da redução do número de partidos na Eslováquia e insinuação de que a União Europeia poderia entrar em colapso.
Nas últimas semanas, o premiê voltou a questionar a liderança em Bruxelas e até mencionou a necessidade de “preparação” para um eventual fim do bloco. A tensão política interna cresceu após sua reunião privada com Vladimir Putin, em dezembro de 2024. O encontro provocou uma onda de protestos contra seu posicionamento pró-Rússia, e Fico respondeu acusando ativistas opositores de planejar um golpe.
No último dia 17, dezenas de milhares de pessoas voltaram às ruas em diversas cidades do país para protestar contra sua gestão, no aniversário da Revolução de Veludo, que marcou o fim do regime comunista na antiga Tchecoslováquia.
