O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse nesta sexta-feira, 21, que o país corre o risco de perder a “dignidade” caso aceite o plano de paz elaborado pelos Estados Unidos. A proposta é favorável à Rússia e prevê a rendição da Ucrânia, que teria de ceder parte de seu território, reduzir o tamanho das suas forças armadas e desistir de aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), principal aliança militar ocidental.
“A pressão sobre a Ucrânia está agora no seu ponto mais intenso. A Ucrânia pode estar diante de uma escolha muito difícil: ou a perda da dignidade, ou o risco de perder um parceiro fundamental, ou os 28 pontos difíceis, ou um inverno extremamente rigoroso”, afirmou Zelensky em seu pronunciamento diário em vídeo, em referência ao plano de 28 pontos de Donald Trump
“Os riscos mais difíceis e iminentes são uma vida sem liberdade, sem dignidade, sem justiça, e acreditar em alguém que já nos atacou duas vezes”, continuou ele, acrescentando que “trabalhará com calma” com seus aliados e os EUA para o fim da guerra.
Mais cedo, o principal assessor de segurança de Zelensky, Rustem Umerov, negou que tenha concordado com o documento dos Estados Unidos, como sugeriu uma alta autoridade americana na véspera. No Telegram, ele escreveu que seu papel na visita aos EUA “foi técnico — organizar reuniões e preparar o diálogo”, concluindo: “Não fiz nenhuma avaliação, muito menos aprovei qualquer ponto. Isso não está dentro da minha alçada e não corresponde ao procedimento”.
Zelensky recebeu a proposta ainda na quinta-feira, 20, e adiantou que as “equipes — Ucrânia e EUA — trabalharão nos pontos do plano para acabar com a guerra”. Mas o roteiro para a paz foi criticado pela Europa, que não teria sido consultada no processo de formulação. Os ministros das Relações Exteriores da União Europeia (UE), reunidos em Bruxelas ainda na quinta, indicaram que não aceitariam que Kiev fizesse concessões que representassem uma forma de “capitulação”.
“Os ucranianos querem a paz – uma paz justa que respeite a soberania de todos, uma paz duradoura que não possa ser posta em causa por futuras agressões”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noël Barrot. “Mas a paz não pode ser uma capitulação.”
+ Ucrânia fora da Otan, Rússia de volta ao G8: entenda o polêmico plano de paz de Trump
O plano
De acordo com documentos preliminares vistos por diversos veículos da imprensa ocidental, a Ucrânia cederia a região de Donbass à Rússia, uma exigência antiga de Moscou.
“Crimeia, Luhansk e Donetsk serão reconhecidas como território russo de fato, inclusive pelos Estados Unidos”, diz o texto. Kiev ainda controla parcialmente as regiões de Luhansk e Donetsk, que juntas formam o cinturão industrial de Donbass, na linha de frente da guerra. A Crimeia foi anexada pela Rússia em 2014.
Segundo a proposta, as áreas de onde a Ucrânia recuaria em Donetsk seriam consideradas uma zona desmilitarizada, na qual as forças russas não entrariam. Enquanto isso, as regiões de Kherson e Zaporizhzhia, no sul – que a Rússia alega ter anexado –, teriam as linhas de frente “congeladas”, efetivamente dando aos russos o controle das terras que já ocupa. Nelas está a usina nuclear de Zaporizhzhia, que, controlada por Moscou desde 2022, passaria para a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão de fiscalização nuclear das Nações Unidas. A eletricidade produzida lá seria compartilhada entre a Rússia e a Ucrânia.
O plano exige que a Ucrânia reduza seu exército quase pela metade, para 600 mil soldados. A Otan concordaria em não enviar soldados à Ucrânia – frustrando as esperanças de Kiev de ter uma força europeia de manutenção de paz – e o país seria impedido de ingressar na aliança militar ocidental. O ponto também está de acordo com condições da Rússia, e contraria as exigências anteriores dos ucranianos.
A Ucrânia receberia “garantias de segurança confiáveis”, mas sem especificar quais. O plano concede que aviões europeus seriam estacionados na vizinha Polônia.
De acordo com a proposta, Moscou seria “reintegrada à economia global” após quase quatro anos de duras sanções, inclusive com sua readmissão no G8 (hoje G7, grupo das sete maiores economias do mundo).
“Espera-se que a Rússia não invada os países vizinhos e que a OTAN não se expanda ainda mais”, afirma o documento. Caso houvesse uma nova invasão à Ucrânia, todas as sanções seriam restabelecidas novamente – “além de uma resposta militar decisiva e coordenada”.
Ademais, US$ 100 bilhões em ativos russos retidos em bancos europeus seriam destinados à reconstrução da Ucrânia, enquanto os fundos congelados restantes seriam direcionados a um fundo de investimento russo-americano separado, “com o objetivo de fortalecer as relações e aumentar os interesses comuns para criar um forte incentivo para não retornar ao conflito”.
O plano afirma ainda que a Ucrânia realizaria eleições em até 100 dias, e que tanto Kiev quanto Moscou implementariam “programas educacionais em escolas e na sociedade com o objetivo de promover a compreensão e a tolerância a diferentes culturas e eliminar o racismo e o preconceito”.