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Montanhas, arranha-céus e túneis: Como Chongqing, na China, virou o maior laboratório urbano do mundo

Imagine uma cidade onde o térreo pode ser o 22º andar de um prédio, e ruas inteiras passam por cima de outras sem cruzamentos. Linhas de trem passam por dentro de prédios e um trajeto entre sua casa e o trabalho pode envolver 18 modais diferentes de transporte.

Assim é Chongqing, a maior municipalidade da China. Localizada no sudoeste do país, essa megalópole soma impressionantes 32 milhões de habitantes (contra 25 milhões em Xangai e 21 milhões em Pequim). E esparrama-se por uma área equivalente à da Áustria.

Para se desenvolver, porém, Chongqing teve de superar uma geografia altamente complexa. Para começar, seu território é cortado por dois dos principais rios do país, o Yangtzé e o Jialing. Esses cursos d’água, não raro, subiam vários metros em cheias mortais, tragando boa parte da cidade.

Além disso, a metrópole é cercada por todos os lados pela cadeia de montanhas conhecida como Wuling, deixando quase nenhum espaço para a construção.

Os desafios geográficos forçaram a cidade a se desenvolver verticalmente, criando um modelo de urbanismo tridimensional único — conhecido informalmente como “urbanismo 8D”.

“Chongqing é um case global em urbanismo inovador, capaz de inspirar novas formas de integração urbana, unindo transporte, arquitetura e sustentabilidade”, diz Peter Calthorpe, urbanista do Banco Mundial.

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Nas alturas: Chongqing conta com 20 000 pontes e viadutos para manter seu trânsito fluindo
Nas alturas: Chongqing conta com 20 000 pontes e viadutos para manter seu trânsito fluindoErnesto Neves/VEJA

A cidade “3D” como modelo de resiliência

O crescimento vertiginoso de Chongqing se deu a partir de 1997, quando separou-se da província de Sichuan e passou a ser diretamente administrada pelo governo central da China, em Pequim.  Essa mudança elevou seu status político ao mesmo nível de cidades como Pequim, Xangai e Tianjin.

A decisão foi estratégica: o governo chinês queria acelerar o desenvolvimento do interior do país e usou Chongqing como motor da política “Go West”, focada em reduzir desigualdades regionais.

Mas a injeção de capital encontrou uma barreira natural. Segundo o Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano de Chongqing, cerca de 70% da cidade é composta por terrenos íngremes ou montanhosos, o que torna seu planejamento urbano significativamente mais complexo do que em outras megacidades.

Chongqing tornou-se assim um laboratório vivo de adaptação urbana. A geografia adversa forçou soluções criativas em mobilidade, habitação e infraestrutura.

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Um forasteiro que precise se deslocar por lá, como fez a reportagem de VEJA ao longo de duas semanas em junho, choca-se com a fluidez do transito numa cidade tão densamente povoada.

Chongqing tem engarrafamentos nos horários de pico. Mas o trânsito não chega a travar, como acontece em São Paulo, Rio de Janeiro e praticamente toda grande cidade brasileira.

Para alcançar essa invejável mobilidade urbana, foi preciso criar soluções criativas que desafiam a lógica.

A inacreditável rede de vias expressas de Chongqing: trânsito flui, mesmo nos horários de pico
A inacreditável rede de vias expressas de Chongqing: trânsito flui, mesmo nos horários de picoErnesto Neves/VEJA

A primeira delas é o sistema de estradas elevadas. Em seu ponto mais movimentado soma cinco níveis diferentes de avenidas, que se sobrepõem sem se cruzar.

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Essa miríade de vias expressas eleva-se a estonteantes 40 metros acima do chão, criando uma paisagem única. A rede conta com 20 000 viadutos e pontes, que se somam a uma infinidade de túneis.

Essa solução permitiu expandir as opções viárias sem comprometer largas extensões do solo, um recurso escasso em Chongqing.

A rede de vias vias expressas são insuficientes para garantir o deslocamento diário dos milhões de moradores de Chongqing. E foi por essa razão que o governo passou a diversificar os modais de transporte em patamar que não encontra paralelo no planeta.

São 18 modais diferentes, incluindo monotrilho, barcas e teleféricos. Há ainda elevadores públicos que conectam bairros localizados em trechos mais altos com aqueles que estão abaixo.

Teleférico no centro de Chongqing: deslocamento diário utiliza vários modais de transporte
Teleférico no centro de Chongqing: deslocamento diário utiliza vários modais de transporteDivulgação/Divulgação
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Chongqing também precisou investir pesado em obras subterrâneas para superar os desafios urbanos. Um exemplo impressionante é a estação de metrô Hongyancun, considerada a mais profunda do mundo.

Inaugurada em 2022, ela fica no distrito de Yuzhong e atinge 116 metros de profundidade, o equivalente à altura de um prédio de 40 andares.

Essa profundidade extrema foi necessária para permitir a passagem do metrô por debaixo de morros íngremes e áreas densamente urbanizadas.

Mas esse sistema ferroviário de 12 linhas e 312 estações tem outro feito jamais visto fora daqui: uma linha de trem que atravessa um edifício residencial.

Na linha 2 do metrô, existe um trecho que intriga moradores e turistas: o trem literalmente atravessa um edifício residencial de 19 andares. Isso acontece na Estação Liziba, localizada no distrito central de Yuzhong.

Quando o trem passa, ele entra por uma abertura no prédio, como se fosse um túnel urbano, e segue sua rota normalmente. Dentro do edifício, foi construída uma estação suspensa entre o 6º e o 8º andares, onde os passageiros embarcam e desembarcam.

A estrutura inclui escadas rolantes e elevadores para conectar a estação ao nível da rua. Liziba virou símbolo da chamada “cidade 8D”, por suas múltiplas camadas urbanas sobrepostas em alturas e profundidades.

“A Estação Liziba abriu um precedente para todo o mundo em como podemos criar soluções criativas diante dos desafios de mobilidade urbana”, diz Ye Tianyi, professor na Escola de Engenharia Civil da Universidade de Chongqing.

Trem atravessa edifício residencial na Estação Liziba, em Chongqing. Projeto une engenharia de precisão e adaptação urbanística
Trem atravessa edifício residencial na Estação Liziba, em Chongqing. Projeto une engenharia de precisão e adaptação urbanísticaErnesto Neves/VEJA

Inteligência artificial e Big Data determinam políticas públicas

Como em muitas outras cidades chinesas, a tecnologia é tratada como motor central do desenvolvimento urbano.

Chongqing se apresenta como uma cidade inteligente, apostando em sistemas de monitoramento e análise de dados em larga escala para otimizar o funcionamento cotidiano.

Em abril de 2025, foi implantado um “cérebro urbano” central, conectando um centro municipal, 41 centros distritais e mais de 1 000 subcentros.

O sistema permite resposta em tempo real a desastres naturais e emergências, como monitoramento de deslizamentos e incêndios florestais .

O governo também implementou um sistema de trens autônomos, criado pela fabricante de veículos elétricos BYD.

Paralelamente, autoridades locais sinalizaram que o “robobus” — ônibus sem motorista desenvolvido pela Baidu — pode deixar a fase de testes e começar a operar como transporte urbano.

Hu Junguo, vice-diretor do Chongqing Big Data Development Bureau, enfatiza que a cidade transformou dados públicos em ativos, com sua plataforma central integrando recursos de governança digital.

A infraestrutura já sustenta 144 centros inteligentes e quase mil oficinas digitais, conectando serviços públicos como emprego e moradia à plataforma digital.

Já o sistema “Smart City Management 4.0” em desenvolvimento desde 2021, cobre mais de 20 000 pontos com sensores. É capaz de detectar irregularidades como rachaduras em pontes, vazamentos e perfurações. Ele integra câmeras, iluminação, drenagem e gestão de resíduos.

“O cerne das cidades inteligentes não é adotar novas tecnologias. Trata-se mais de fazer com que essas tecnologias funcionem para as pessoas”, diz Janet Chiew, diretora da Infocomm Media Development Authority (IMDA), de Singapura.

Em Chongqing, a cidade não se adapta ao terreno, ela o domina. Num tempo em que o espaço urbano parece saturado, a China mostra que, com dados, engenharia e ambição, sempre há mais uma camada por explorar.

O repórter viajou a Chongqing a convite do China Media Group.

Centro de Chongqing, às margens do rio Yang-Tsé
Centro de Chongqing, às margens do rio Yang-TséErnesto Neves/VEJA
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