O regime do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tem uma complexa tarefa nas mãos: lidar com a crescente pressão militar dos Estados Unidos sem levar a população ao pânico. As tensões entre Washington e Caracas está nas alturas, reflexo do envio de tropas americanas ao Caribe e Pacífico em suposto cerco ao narcotráfico — motivo descartado pelo governo venezuelano, que alega que os EUA tentam, na verdade, tirar Maduro do poder e tomar as reservas naturais do país, rico em petróleo.
A saída por ora é alternar entre humor e críticas às decisões dos Estados Unidos, embora não raro se tenha evitado provocar o presidente Donald Trump. Em um episódio de setembro de “Super Bigode”, uma versão de Maduro em desenho animado, o super-herói abandonou o traje habitual, que muito se assemelha ao do Super Homem, por um uniforme militar, com espada embainhada. A mensagem foi clara: a Venezuela não tem uma “cultura belicista”, declarou o personagem. O episódio foi ao ar pouco depois do início da campanha americana.
Para além do desenho, Maduro tem apostado no diálogo com a população, trocando os espaços fechados por discursos em público quase diários. Ele sempre aparece acompanhado por uma forte equipe de segurança, disse o pesquisador e jornalista venezuelano Andrés Cañizález à emissora americana CNN. A ideia é mostrar o líder chavista como um pacificador, mas que também não resistirá em defender o país se necessário. Para isso, ele arranhou o inglês para mandar mensagens a Trump e soltou a voz em Imagine, o hino pacifista de John Lennon.
Caracas, contudo, não se ateve apenas à postura antiviolência. Nas últimas semanas, as Forças Armadas da Venezuela também publicaram diversos vídeos nas redes sociais mostrando soldados se preparando para a guerra, geralmente ao som de música dramática. As imagens mostram tropas realizando exercícios de tiro, fortificações antitanque em Caracas e membros de milícias posando com armas.
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Sarcasmo e conspirações
Coube também a Diosdado Cabello, ministro do Interior e apresentador do programa de entrevistas Con el Mazo Dando (Batendo com um Porrete, em tradução livre), a enviar alertas ao governo dos EUA. Ao longo de quatro horas, Cabello varia entre contar piadas e atacar a oposição, incluindo políticos republicanos. Com os crescentes ataques a barcos no Caribe e Pacífico, ele passou a focar em como os EUA, na verdade, têm motivos escusos para invadir a Venezuela.
“Não há tensões aqui entre a Venezuela e os Estados Unidos. O que existe é uma agressão dos Estados Unidos contra a Venezuela”, disse ele em um programa, um dos mais populares do país, na semana passada. “E essa agressão não tem nada a ver com drogas, terrorismo ou gangues criminosas, mas sim com a tomada de controle dos recursos naturais da Venezuela.”
Mas curiosamente o principal alvo de Cabello não é Trump, mas o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, chamado pelo ministro venezuelano de “o cubano louco”. A ascendência de Rubio e suas origens na Flórida são frequentemente mencionadas por Cabello, que argumenta que o secretário tenta atrair o eleitorado de exilados cubanos anticomunistas em Miami. Ele também personifica um “inimigo direto da revolução”, uma estratégia “útil para unir a base chavista”, disse o cientista político Javier Corrales à CNN.
“Essa iniciativa para buscar uma mudança de governo na Venezuela não visa satisfazer os interesses de… Trump ou do MAGA, mas sim os de Rubio e da máfia cubano-americana”, bradou Cabello à plateia no episódio da semana passada.
O ministro venezuelano também destaca a preparação de Caracas para todos os cenários, incluindo um conflito militar direto com os EUA. Ao mesmo tempo, minimiza as ações do governo Trump. Quando Trump anunciou que havia autorizado a CIA a realizar operações secretas no país sul-americano, Cabello apostou no deboche, ironizando: “Sim, (a CIA) foi formalmente autorizada a agir. Ela nunca agiu aqui antes”. Pressionada pelos EUA, a máquina de propaganda da Venezuela funciona a todo vapor — e nada melhor do que um inimigo comum.