Qual seria uma reação inteligente do chefe de Estado que, gostando ou não, nos representa, às palavras do primeiro-ministro Friedrich Merz? Com o jogo de cintura que teve no passado, principalmente longe de eleições, o presidente Lula da Silva deveria ter convidado o político alemão a voltar em outra ocasião, conhecer melhor o país e, talvez, entender como os brasileiros são sensíveis a críticas, justamente por terem tanto a ser criticado em termos de desenvolvimento social e político. E, sim, talvez até a tomar a retórica cervejinha – ou cervejona, considerando-se o tamanho dos canecões alemães.
Em vez disso, veio a patriotada digna de quinto mundo: “Ele deveria ter ido num boteco no Pará, deveria ter dançado no Pará, ele deveria ter provado a culinária do Pará, porque ele ia perceber que Berlim não oferece para ele 10% da qualidade de vida que oferece o estado do Pará e a cidade de Belém”.
Nem é preciso avaliar a comparação – mas vamos fazer isso mesmo assim.
Belém tem um PIB per capita de 23 mil reais. É um mundo amazônico diferente até para brasileiros de outras regiões, com um encanto especial contrastando com a extrema pobreza vista na maioria da cidade, dominada por um clã político eterno, como tantos outros lugares do Brasil, do qual saiu o atual governador, Helder Baralho, que propaga um futuro Vale do Silício bioamazônico. Precisa dizer mais?
O PIB de Berlim é de 53 mil euros, as pessoas nadam no rio limpo durante o verão e tudo funciona com impecabilidade alemã, inclusive a exposição dos erros do passado, quando a Alemanha se deixou tomar pelo mais extremo e alucinado nacionalismo, uma loucura genocida, para usar uma palavra que se tornou moda, o que diminui a incomparável dimensão da sanha racial nazista.
ATROCIDADE MORAL
É vergonhoso que, por causa de acontecimentos históricos já remontando a mais de cem anos, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, tenha chamado o primeiro-ministro alemão de “filhote de Hitler vagabundo” e “nazista”.
Isso demanda um grande pedido de desculpas, pois partiu de uma autoridade, não de um idiota do WhatsApp. Nenhuma pessoa civilizada pode recorrer a termos assim, muito menos o que seria, ironicamente no caso, um homem público. O prefeito deve ter ficado muito contente consigo mesmo, tanto que, depois de apagar a atrocidade moral, ironizou: “Fiquem tranquilos no Itamaraty”.
Sem querer, deu um argumento a mais à declaração de Merz, falando a jornalistas, sobre todos terem ficado “felizes por termos deixado aquele lugar”. Ele estava na verdade querendo exaltar a boa situação da Alemanha, como todo político. E ninguém é obrigado a gostar de uma cidade ou um país. Mas, diplomaticamente, foi infeliz, mesmo tendo cultivado a fama de quem diz as coisas na lata, como um alemão com complexo de sincericídio, um processo mais impressionante por vir de um homenzarrão de 1,98 metro.
“Quando o chanceler disse que vivemos num dos países mais bonitos do mundo, isso não significa que outros países não sejam bonitos”, amenizou seu porta-voz, Stefan Kornelius. Também esteve longe da intenção do primeiro-ministro “comentar de maneira derrogatória sobre o Brasil”.
Ele pediria desculpas ou viu a relação bilateral prejudicada? “Não, duas vezes”, respondeu o porta-voz.
ESPERTALHÕES OPORTUNISTAS
A Alemanha, como outros países europeus avançados, vive problemas de crescimento econômico pálido e um nível incompreensível, pela liberalidade, de imigração de uma grande massa populacional procedente de países muçulmanos, incentivada pela antecessora e correligionária de democracia cristã de Merz, Angela Merkel.
Por causa das alterações no estilo de vida propiciadas por uma população que não se integra aos valores da nova pátria, apesar dos grandes incentivos para isso, o partido Alternativa para a Alemanha, conhecido como AfD, de uma direita que nunca tinha sido vista no pós-guerra, teve uma ascensão impressionante. Se houvesse eleições hoje, teria 26% dos votos, 1% a mais do que a coalizão democrata-cristã, de centro-direita, de Merz.
Não formaria governo, porque as outras forças políticas se recusariam a uma aliança, mas o aumento da popularidade da AfD é um problema para o primeiro-ministro. Um problema de verdade.
Sobre o Brasil, Merz deveria ter sido mais prudente, inclusive para não provocar um ruído desnecessário nas relações bilaterais e alimentar o oportunismo dos espertalhões que estão pouco se lixando para as carências da querida Belém.
Qual será o legado que a COP30 deixará para a cidade, fora os contratos amigos para os de sempre? O festival de patriotadas desencadeado pela declaração de Merz obviamente ajuda a deixar a pergunta mais obscurecida ainda. Até o alemão contribuiu para turvar as águas. Além de de se desculpar por abusos verbais de autoridades, Lula da Silva ou a copresidente deveriam elogiar o bilhãozinho prometido pela Alemanha para para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre. Ou, se se considerassem efetivamente ofendidos, talvez rejeitá-lo? Não é assim que pessoas honradas fazem?