Criada sob desconfiança de que seria apenas mais um palanque pré-eleitoral em Brasília, a CPMI do INSS começa a mostrar que pode ir bem além do jogo político. Impulsionada pela Operação Sem Desconto, deflagrada há cerca de uma semana pela Polícia Federal em parceria com a CGU e o TCU, a comissão parlamentar já produziu o que José Benedito da Silva chama de “bastante estrago” — com potencial para muito mais.
A operação prendeu, entre outros, o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto, nomeado no governo Lula e indicado pelo PDT, partido do ministro Carlos Lupi, e revelou um esquema estimado em 6 bilhões de reais em desvios entre 2019 e 2024 por meio de descontos indevidos em benefícios previdenciários.
A CPMI só faz barulho ou está entregando resultado?
Segundo José Benedito, a resposta já mudou de figura. No começo, ele próprio via a CPMI com ceticismo:
“Eu tinha minhas dúvidas. Já havia investigação da PF, da CGU, do TCU. Parecia muito mais um instrumento político do que um instrumento de elucidação.”
A sequência dos fatos, porém, forçou revisão de cenário. A apuração parlamentar passou a se cruzar com as investigações oficiais e a empurrar novos filões de apuração, inclusive sobre autoridades em exercício no governo Lula e sobre estrutura sindical historicamente próxima ao PT.
“Bem ou mal, aos trancos e barrancos, com muitos solavancos, a CPMI começou a bater em coisas muito importantes”, avalia o editor.
O que mudou com a Operação Sem Desconto?
No início, o escândalo era visto como um “golpe de varejo” contra aposentados: associações se aproveitando da falta de controle do INSS para enfiar, na folha, descontos associativos não autorizados — sobretudo em benefícios rurais.
Agora, o quadro é outro: Há indícios de conluio com servidores públicos, inclusive na alta cúpula do INSS; A PF aponta pagamento de propina e “mesada” para que entidades tivessem acesso aos sistemas; O dinheiro desviado não é trocado de pinga: são bilhões de reais arrancados de beneficiários vulneráveis.
“Não é mais só a malandragem de sindicato e associação picareta. Há um esquema de cooptação de agentes públicos, com dinheiro grande. O envolvimento do presidente do INSS torna tudo muito mais grave”, resume José Benedito.
Como o governo Lula entra na linha de tiro?
Pelo menos três frentes deixam o Planalto em posição delicada:
Alessandro Stefanutto – Ex-presidente do INSS preso na operação, foi indicação política do PDT, partido que ocupa o Ministério da Previdência. As evidências, diz José Benedito, são “altamente comprometedoras” se confirmadas.
Sindicato ligado ao irmão de Lula – Uma entidade em que o irmão do presidente é diretor aparece nas investigações ligadas ao esquema de descontos indevidos. “A situação ainda não está totalmente equacionada. A investigação pode avançar e resvalar em outras figuras”, afirma o editor.
AGU sob Jorge Messias – A CPMI também apura se a Advocacia-Geral da União foi negligente ao lidar com denúncias contra a Conafer, uma das principais entidades sob suspeita. Há questionamento sobre a lentidão na reação do órgão.
“O risco político é evidente: se a CPMI provar que o governo foi lento, conivente ou omisso diante de denúncias claras, isso cola em Lula e em seus aliados”, aponta José Benedito.
Quantos políticos podem cair com o caso INSS?
O presidente da CPMI, senador Carlos Viana, já deu a pista: pelo menos 20 políticos estariam na mira, de diferentes partidos e tamanhos. Alguns nomes já surgiram em depoimentos e relatórios sigilosos; outros podem aparecer à medida que a comissão for “puxando o novelo”.
José Benedito sintetiza o potencial explosivo:
“Se a CPMI puxar esse fio com força e começarem a aparecer peixes de todos os tamanhos, de todas as colorações, isso ainda vai muito longe. E é isso que se espera.”
Show político ou serviço público?
A CPMI do INSS tem, como qualquer comissão de inquérito em ano pré-eleitoral, seu quinhão de teatro: deputados e senadores em busca de holofote, discursos inflamados, disputas de narrativa entre governo e oposição.
Mas, na avaliação de José Benedito, isso não anula o lado substantivo:
“Se, apesar da exploração política inevitável, a CPMI conseguir ajudar PF, CGU e demais órgãos a fechar o quebra-cabeça, identificar todos os responsáveis e garantir punição, terá prestado um grande serviço.”
Até aqui, a comissão já fez barulho, derrubou um presidente do INSS, encostou em estruturas ligadas ao entorno de Lula e sinalizou que pode atravessar o ano eleitoral como uma dor de cabeça constante para o governo — e para boa parte da classe política.