A votação do PL Antifacção na Câmara dos Deputados, com 370 votos favoráveis, escancarou uma evidência incômoda para o governo Lula: a pauta da segurança pública deixou de ser um tema defensável pelo Planalto e tornou-se um ativo eleitoral robusto da direita. O diagnóstico é do colunista José Benedito da Silva, no programa Ponto de Vista desta quarta, 19, ao analisar como o tema atropelou avanços recentes da comunicação governista.
A direita realmente “passou o trator”?
A resposta, segundo José Benedito, é direta: sim. A tentativa do governo de adiar a votação — derrotada também por mais de 300 votos — mostrou que o Planalto não tinha articulação, nem ambiente político, para conduzir o debate. No plenário, a oposição montou um espetáculo coreografado de unidade.
Figuras nacionais da direita desfilaram pelo plenário para marcar posição: Ronaldo Caiado, governador de Goiás, apareceu para conversas, articulações e fotos; Sérgio Moro, do Senado, sentou-se ao lado de Guilherme Derrite para aconselhar o relator; Tarcísio de Freitas celebrou a aprovação minutos depois, com mensagem de tom claramente eleitoral.
“A direita se uniu e conduziu a narrativa do início ao fim”, sintetiza José Benedito.
O governo perdeu o discurso?
Nas últimas semanas, o Planalto vinha surfando boas notícias, com um respiro na popularidade após o desgaste do tarifaço americano sobre produtos brasileiros. Esse pequeno avanço, porém, evaporou com a entrada da segurança pública no centro da mesa.
“A esquerda perde espaço nessa pauta”, afirma o colunista. E perde, segundo ele, porque não conseguiu apresentar um discurso de protagonista — apenas o de quem reclama do resultado. “Parecia discurso de perdedor.”
O Senado pode virar o jogo?
A escolha do senador Alessandro Vieira (MDB) como relator no Senado é vista como uma sinalização de reequilíbrio. Vieira, ex-delegado e hoje relator da CPI do Crime Organizado, é considerado técnico, independente e menos suscetível ao clima de Fla-Flu da Câmara.
O gesto de Davi Alcolumbre, que anunciou o relator enquanto a Câmara ainda votava o texto, foi lido como um movimento político claro: preparar terreno para “enquadrar” excessos e devolver racionalidade ao projeto.
Há margem para ajustes — especialmente em pontos que podem gerar insegurança jurídica ou conflito com legislações existentes. Ainda assim, o Planalto terá de negociar caso a caso: Vieira não é aliado automático do governo.
A segurança pública virou tema central da eleição?
Virou — e com força. Pesquisas recentes mostram que 40% dos brasileiros apontam a segurança pública como o maior problema do país. É o dobro da preocupação com a economia. No rastro da megaoperação no Rio de Janeiro, que matou 121 pessoas e agitou o debate nacional, o tema passou a ocupar o epicentro da disputa política.
“O governo entrou trocando as pernas”, diz José Benedito. O PL Antifacção, que deveria ser o grande projeto federal na área, acabou cooptado pela direita. A PEC da Segurança, também enviada pelo Planalto, deve ser modificada para atender governadores e pode, novamente, terminar com a marca da oposição.
Quem ganhou e quem perdeu?
Na fotografia desta semana, a direita está em posição de comemorar — unida, ruidosa e com um discurso afiado. O governo, por sua vez, aparece reclamando do placar e tentando recuperar terreno no Senado.
Em uma eleição que promete ser definida por medo, ordem e segurança, cada centímetro dessa narrativa conta. E o Planalto, por enquanto, está correndo atrás.