O deputado Arnaldo Jardim (cidadania/SP), relator do PL 2780/2024, que cria o plano nacional de minerais críticos e estratégicos, está escrevendo em plena COP 30, em Belém, um capítulo que pode reposicionar o Brasil na nova guerra fria tecnológica. Em entrevista à jornalista Veruska Donato (Mercado da VEJA), ele resumiu a ambição: deixar de ser coadjuvante e passar a disputar, com regras claras, o jogo global das terras raras e de outros minerais essenciais à transição energética, à digitalização e à inteligência artificial. A ideia é apresentar o parecer às bancadas na semana que vem e tentar votar o texto no começo de dezembro.
O ponto de partida é incômodo. Hoje, o Brasil é um gigante adormecido no mapa das terras raras. Segundo o relator, o país detém 23% das reservas conhecidas, enquanto a China tem 43%. Mas quando o assunto é produção, o desequilíbrio salta aos olhos: Pequim responde por 66% da oferta mundial, e o Brasil por míseros 1%. Ou seja: estamos sentados em cima do minério, enquanto outros faturam com os ímãs superpotentes que vão em turbinas eólicas, carros elétricos, equipamentos militares e um sem-fim de tecnologias “verdes” e digitais.
O parecer de Jardim tenta atacar justamente esse descompasso. Primeiro, com o óbvio que o Brasil nunca fez direito: mapear o próprio subsolo. O Serviço Geológico Nacional, responsável por conhecer o que há no território, sofre com falta de verba e de pessoal, o que deixa o país meio “no escuro” sobre o tamanho real da sua riqueza mineral. O relatório prevê instrumentos para ampliar esse mapeamento e dar previsibilidade a investidores — sem isso, mineração de alto valor tecnológico vira jogo de adivinhação.
O segundo eixo é dinheiro, cérebro e tecnologia. O deputado admite que o país não tem, hoje, nem tecnologia suficiente nem capital sobrando para desenvolver sozinho toda a cadeia dos minerais críticos. O desenho, então, é criar condições atraentes para capital nacional e estrangeiro, mas com trava: quem vier terá de trazer também tecnologia, firmar parcerias com centros de pesquisa brasileiros e ajudar a formar mão de obra qualificada. “Não queremos só exportar minério”, diz Jardim. A palavra de ordem é subir a escada tecnológica, do concentrado ao óxido, das ligas às baterias.
É aí que entra a parte mais sensível do texto: as contrapartidas. O relator promete um modelo em que os incentivos — tributários, linhas de financiamento, fundos garantidores — aumentam conforme a empresa se compromete a fazer mais etapas da cadeia produtiva no Brasil. Beneficiar, transformar e produzir componentes avançados aqui dentro renderia mais vantagens do que simplesmente tirar o minério, colocar no navio e mandar embora. Em outras palavras: fim da lógica de “commodity pura e simples” e um empurrão para reindustrializar nichos ligados à economia verde.
Jardim leva esse discurso a um evento do BID em Washington, em dezembro, onde apresentará as premissas do relatório a investidores e formuladores de política. A intenção é vender o Brasil como futuro grande supridor de terras raras com valor agregado, não apenas um quintal de mineração. Se o texto for aprovado como está, a disputa pelos minerais críticos ganha um novo capítulo: ou o país aproveita a janela para virar player estratégico da transição energética — ou continua exportando buracos e importando tecnologia a peso de ouro.