A 30ª Conferência da ONU sobre Mudança do Clima (COP30), realizada na capital paraense, é hoje palco de uma das principais encruzilhadas da diplomacia climática global: como traduzir promessas em ação diante de uma lacuna persistente entre os planos nacionais (NDCs) e o que é necessário para manter o planeta mais próximo dos 1,5 °C de aquecimento preconizados pelo Acordo de Paris.
Um Chamado Moral e Político
A abertura oficial da COP contou com uma intervenção contundente do secretário-geral da ONU, António Guterres, que condenou o descumprimento do limite de 1,5°C como uma “falha moral e negligência mortal”.
Ele advertiu para riscos de pontos de inflexão climáticos, deslocamentos massivos e impactos à paz global caso a meta seja ultrapassada, ainda que temporariamente.
Esse discurso simboliza bem o tom da cúpula: ambicioso nos objetivos, porém pressionado por desafios concretos para torná-los realidade.
O Dilema das NDCs Insuficientes
Apesar de revisões e compromissos nacionais, muitos países não entregaram planos suficientemente ambiciosos para 2035. Segundo especialistas, esse déficit no nível de ambição mina a credibilidade dos esforços multilaterais.
As negociações na COP30, de fato, incluem a revisão das NDCs. A presidência da conferência, por meio de consultas, publicou um esboço inicial com 21 opções para fortalecer os compromissos climáticos.
As áreas sensíveis incluem metas mais ambiciosas, transparência e financiamento público, especialmente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
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Financiamento Climático: Rota de Baku a Belém
Um dos temas centrais de Belém é o financiamento climático. A COP30 abriga um plano ambicioso: o “Mapa do Caminho de Baku a Belém”, que visa mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para ações climáticas.
Em linha com esse objetivo, o governo brasileiro lançou o Círculo de Ministros das Finanças da COP30, reunindo chefes de finanças para debater como reestruturar os fluxos de investimento climático, reduzir o custo de capital para projetos verdes e aumentar a coordenação global.
Além disso, foi criado na conferência um Hub de Plataformas de Países, apoiado por organismos como o Fundo Verde para o Clima (GCF), PNUD e FiCS.
Esse hub servirá para conectar as demandas nacionais por financiamento a mecanismos que ajudem a desenhar e operacionalizar estruturas de investimento domésticas para a transição verde.
Soluções para os Biomas
No contexto amazônico, a COP30 também celebra iniciativas para financiar a proteção florestal.
No “Diálogo de Soluções para Finanças Florestais até 2030”, autoridades, sociedade civil e setor privado debateram seis mecanismos para impulsionar recursos: entre eles, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), o REDD+, bioeconomia sustentável e reforma de subsídios.
Foi anunciado um novo mecanismo chamado Earth Investment Engine (EIE), que pretende canalizar capital privado em larga escala para projetos florestais baseados na natureza.
Segundo seus apoiadores, já há um portfólio de mais de US$ 29 bilhões em oportunidades, e a meta é quadruplicar isso até 2030.
Impasses e Pressões Políticas
Apesar das intenções, a COP30 enfrenta tensões. Analistas apontam que os países ricos, embora tenham prometido recursos, ainda não cumpriram plenamente seus compromissos, gerando uma crise de confiança.
Além disso, o Brasil vem pressionando para que novas formas de financiamento sejam exploradas, como tributos sobre transporte marítimo, petróleo e passagens de avião.
A geopolítica complica ainda mais: o Brasil aposta na influência dos BRICS como reforço frente a negociações duras sobre financiamento climático com nações desenvolvidas.
Sociedade Civil e Vozes Indígenas
A COP30 em Belém tem mobilizado fortemente a sociedade civil. Na “Zona Verde”, espaço aberto ao público, participam indígenas, ribeirinhos, agricultores familiares e movimentos sociais, muitos pela primeira vez com tanta visibilidade.
A Cúpula dos Povos, reunindo delegados de mais de 60 países, promete ser uma das maiores já vistas, com manifestações, marchas e debates sobre as transições justas e direitos tradicionais.
Lideranças indígenas, como Dinamam Tuxá (APIB), têm cobrado que os acordos firmados sejam efetivamente cumpridos e que povos tradicionais sejam tratados com igualdade nas negociações climáticas.
Infraestrutura e Contradições
Enquanto se discute proteção ambiental, a preparação para a COP30 também gerou polêmica.
Segundo reportagens anteriores, hectares de floresta amazônica foram desmatados para construção de uma estrada de acesso a Belém destinada a hospedar a conferência, um paradoxo simbólico para um evento que discute a preservação da natureza.
Além disso, a questão da hospedagem tem sido fonte de tensão: delegados reclamam dos preços exorbitantes dos hotéis em Belém. O governo brasileiro rejeitou propostas da ONU para subsídios diários para delegações, alegando já arcar com custos elevados como país-sede.
Caminho Deliberativo
A reta final das negociações exige acordos difíceis. A presidência da COP30 vem consultando ministros para fechar consensos sobre quatro grandes temas polêmicos: NDCs, financiamento climático, comércio relacionado ao clima e transparência de progresso.
Especialistas avaliam que essas negociações são cruciais: sem um avanço real no financiamento e no monitoramento das metas, a COP30 ficará aquém das expectativas.
Um Legado Ambiental e Político
Para muitos observadores, a COP30 pode definir se haverá uma virada concreta na arquitetura multilateral do clima.
A articulação de um plano global, a mobilização de US$ 1,3 trilhão e a criação de mecanismos institucionais, como o hub de países, são apostas ambiciosas.
Se bem-sucedidas, essas iniciativas podem lançar as bases para uma transição climática mais justa, especialmente para países em desenvolvimento.
Mas há riscos: se faltar compromisso político ou se os recursos não forem entregues, a conferência pode se tornar apenas mais uma cúpula simbólica, com pouca efetividade prática.