Um grupo de vítimas de Jeffrey Epstein se reuniu na frente do Capitólio dos Estados Unidos nesta terça-feira, 18, antes da votação de um projeto de lei na Câmara dos Representantes que, se aprovado, permitirá a liberação de todos os arquivos relacionados a Epstein, bilionário acusado de tráfico sexual de adolescentes que cometeu suicídio na prisão em 2019. Muitas das mulheres levantavam fotos de quando eram mais novas, época que dizem ter sido alvo de abusos do financista e da sua cúmplice, Ghislaine Maxwell.
“Estamos lutando pelas crianças”, disse a sobrevivente Haley Robson. “E ao presidente dos Estados Unidos da América, que não está aqui hoje, quero lhe enviar uma mensagem clara. Embora eu entenda que sua posição tenha mudado em relação aos arquivos de Epstein e eu seja grata por ter se comprometido a sancionar este projeto de lei, não posso deixar de ser cética quanto às suas intenções. Dito isso, quero lhe transmitir esta mensagem: estou traumatizada. Não sou estúpida.”
“Vocês nos submeteram a tanto estresse, o confinamento, a paralisação desses procedimentos que deveriam ter ocorrido há 50 dias, a Adelita Grijalva que esperou para tomar posse, e agora ficam chateados quando o próprio partido de vocês se opõe a vocês, porque o que está sendo feito está errado”, continuou. “Não está certo. Para seus próprios fins egoístas. Isto é a América. Esta é a terra da liberdade, a terra dos livres.”
Ela disse que não se sente “livre hoje” e fez um apelo a cada um dos congressistas para que “escolha os sobreviventes, escolha as crianças”. Robson também agradeceu aos deputados Ro Khanna (Partido Democrata), Thomas Massie e Marjorie Taylor Greene (ambos do Partido Republicano) por apoiarem o projeto de lei. Outra sobrevivente, Jena-Lisa Jones, também mandou um recado a Donald Trump.
“Eu imploro, Presidente Trump, por favor, pare de politizar isso. Não se trata de você, Presidente Trump. Você é o nosso presidente. Por favor, comece a agir como tal. Mostre um pouco de classe, mostre uma liderança de verdade, mostre que você realmente se importa com as pessoas além de si mesmo. Eu votei em você, mas seu comportamento nessa questão tem sido uma vergonha nacional”, afirmou.
Sky Roberts, irmão de Virginia Giuffre, vítima de Epstein que morreu por suicídio em abril, também esteve presente no ato. Com voz embargada, ele destacou que sua irmã não é uma “ferramenta política” para ser usada como políticos bem entenderem, acrescentando: “Essas sobreviventes não são ferramentas políticas para vocês usarem. Essas são histórias reais, traumas reais, e é hora de vocês pararem de falar sobre isso e agirem. Votem sim.”
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Giro de 180°
Às vésperas da votação, Trump deu um giro de 180° e instruiu os deputados republicanos no Congresso a votarem a favor da lei. Foi uma reviravolta repentina para quem passou meses evitando o assunto como quem espera que apenas desapareça, em meio a evidências cada vez mais expressivas da amizade entre Trump e Epstein. Um lote de documentos divulgado na semana passada incluía trocas de e-mails nas quais Epstein citava o líder americano — entre eles, uma conversa em que o bilionário diz que Trump passou “horas” com uma das vítimas.
“Os republicanos da Câmara devem votar pela divulgação dos arquivos de Epstein porque não temos nada a esconder. E é tempo de ultrapassarmos esta farsa democrata perpetrada por lunáticos da esquerda radical para desviar a atenção do grande sucesso do Partido Republicano”, escreveu Trump na Truth Social, rede social da qual é dono.
“O Comitê de Supervisão da Câmara pode ter tudo o que lhe é legalmente permitido, NÃO ME IMPORTA! Tudo o que me importa é que os republicanos VOLTEM A CONCENTRAR-SE NO FOCO, que é a economia, a ‘acessibilidade’”, acrescentou no post.
Na segunda-feira, 17, o líder americano voltou a tocar no assunto durante pronunciamento no Salão Oval. Ele disse que não queria que o escândalo sexual de Epstein “desviasse a atenção” das conquistas do seu governo e afirmou, como de praxe, que os e-mails que indicam que Trump sabia dos abusos é uma “farsa” — na semana passada, o mandatário da Casa Branca tentou desviar das críticas sobre a sua relação com o financista ao bradar que “Epstein era democrata, e ele é um problema dos democratas, não dos republicanos!”.
“Vamos dar tudo a eles”, continuou ele aos repórteres. “Deixem o Senado analisar, deixem qualquer um analisar, mas não falem muito sobre isso, porque, sinceramente, não quero que nos tirem isso.”
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Trump e Epstein
A relação entre os dois é antiga: eles faziam parte de círculos sociais de elite de Nova York e da Flórida. Em 2002, Trump disse à revista New York que o financista era “fantástico” e “muito divertido de se estar por perto”. Ele também contou que a dupla se conhecia há 15 anos, acrescentando: “Dizem até que ele gosta de mulheres bonitas tanto quanto eu, e muitas delas são do tipo mais jovem”.
Epstein conviveu com milionários de Wall Street, membros da realeza (notadamente, o príncipe Andrew) e celebridades antes de se declarar culpado de exploração sexual de menores em 2008. As acusações que o levaram à prisão em 2019 ocorreram mais de uma década após um acordo judicial que o protegia. Ele foi encontrado morto por enforcamento pouco mais de um mês após parar atrás das grades.
Como promessa de campanha, Trump disse que liberaria os documentos relacionados ao caso se retornasse à Casa Branca. Em janeiro, quando o republicano publicou arquivos sobre a investigação, um clima de insatisfação tomou conta: as informações divulgadas já eram conhecidas. Pressionado, o presidente dos EUA virou alvo de uma teoria da conspiração dentro da sua base política, a Make America Great Again (MAGA), de que está em uma lista secreta de pessoas que se beneficiavam do esquema de Epstein.
Em setembro, os democratas da Câmara divulgaram uma suposta carta de Trump a Epstein. O documento já havia sido publicado pelo jornal americano The Wall Street Journal em julho, mas o republicano negou a veracidade. Tratava-se de um desenho de uma mulher nua com mensagens insinuantes, parte de um álbum de aniversário organizado para o financista em 2003.