Reconhecido por revolucionar a linguagem visual da TV brasileira, Hans Donner, 77 anos, tem se reinventado longe da emissora após quatro décadas de trabalho que lhe renderam a alcunha de “o mago das vinhetas na Globo”. O designer volta a surpreender ao levar sua arte para um novo território: a arquitetura. Em parceria com a Hunter Douglas, empresa multinacional de fabricação de cortinas, persianas e toldos, acaba de lançar o Cinetic Brise, criação que une luz e movimento. Para a coluna GENTE, Donner relembra o período que comandava as aberturas de novelas e programas como Fantástico, além da criação da personagem Globeleza no Carnaval, protagonizada por sua agora ex-mulher Valéria Valenssa.
Qual era a sua visão, como austríaco, antes de chegar ao Brasil? Exatos 50 anos atrás saí da escola de design em Viena, segui meu destino e acabei num país que todo mundo achava que só tinha bananas e macacos. E tive felizes encontros com pessoas certas, no lugar certo e na hora certa. Agora, 50 anos depois, uma nova porta se abriu. Imagina, me informei em design gráfico. Era uma coisa que não tinha nada a ver com televisão, com tecnologia, mas quando cheguei no Brasil, se abriu uma porta para praticamente todas as casas, todos os apartamentos e todos os corações de milhões e milhões brasileiros todos os dias. Foi algo que jamais um designer viveu, e eu vivi.
Como surgiu a parceria e a criação do Cinetic Brise? Nos anos 80 tinha literalmente em torno de 100 milhões de pessoas, todos os dias, esperando certas surpresas visuais e um design nas aberturas inovadoras dos programas de TV. E por incrível que pareça, nesse mesmo país, encontrei uma nova Globo, a Hunter Douglas. Hunter Douglas não faz imagens que desaparecem, faz cortinas, brises e tudo que se possa imaginar, da melhor qualidade, espalhado em 120 países no mundo. Agora dou um toque feminino nas brises, o giro que faço, transformo uma coisa dura, quadrada, reta, numa cintura… Quantas coisas que fiz com as formas mais perfeitas femininas do Brasil? Globeleza, Tieta…
Qual foi o impacto do seu design na hegemonia da emissora? A TV Globo, com design, se tornou a terceira, quarta maior televisão do mundo e não teria virado. Boni falou isso recentemente: ‘Hans, se você não tivesse chegado, a Globo não teria acontecido’. Se Pelé não tivesse os gênios do lado, não teria acontecido tudo que aconteceu. E comigo é a mesma situação, não que me comparo com Pelé, mas consegui trazer talentos geniais para o Brasil e encontrei na Globo também. O reconhecimento e a projeção aconteceram em função daquela fase, onde a televisão possuía um conteúdo de altíssimo nível. Novelas baseadas nos grandes escritores etc. E a mídia permitiu que o Boni fizesse o conteúdo de uma maneira popular, mas com qualidade.
O que acha das atuais aberturas de novelas e programas da TV Globo? No decorrer do tempo, provavelmente também com o esgotamento de certas receitas da televisão, com a chegada de canais especializados em arte, viagens e arquitetura, tudo isso se transformou. As televisões abertas hoje competem para manter-se, mas com certeza, o nível que a Globo imprimiu na época não se compara com hoje.
Dentre suas criações mais lembradas, há a Globeleza. Como era ver sua mulher, Valéria Valenssa, nesse lugar de destaque? Cheguei à conclusão em 1993, quando surgiu a primeira vez a ideia de, em lugar de fazer desenhos animados, buscar o que Deus fez de mais perfeito, e no Brasil ele caprichou, que são as mulheres brasileiras. E usando uma forma real, era um presente indescritível. Mas não só o fato de poder usar o papel mais perfeito em termos cor, em termos forma, para adicionar design, purpurina etc. Acredito que poucos brasileiros homens seriam capazes de compartilhar e dividir a beleza, a elegância, a leveza e o sorriso, tudo que a Valéria representa. Levava ela comigo para Áustria, numa montanha para esquiar a 3.000 metros de altura, chegava fila de japonês pedindo autógrafo. Ela virou ‘do mundo’, numa época que se podia mostrar as mulheres do jeito como Deus caprichou. Hoje não dá mais, não pode mais. Tudo mudou.
E o senhor continua a acompanhar o trabalho que a Globo desenvolve hoje nas vinhetas? Vou te confessar uma coisa. Todas as décadas que cuidava não só das novelas, mas do jornalismo, do esporte, de programa humorístico, de tudo,não assisti a novelas. Nunca. Sabe por quê? Cuidei de tantos projetos, você não tem ideia… Conseguia, de vez em quando, entregar no último segundo. Pedia ao Cid Moreira, no Jornal Nacional, para falar mais devagar, para eu correr com a fita e botar no ar. Nos 30 anos que o Boni estava pisando fundo, fiz o cálculo, que as viradas de noites para aprontar as aberturas, chegavam a 72 horas sem tomar banho em casa. Eram três dias e três noites sem dormir um segundo para botar fita correndo. Chegava em casa exausto.