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Flávio Dino e o sufoco das mineradoras envolvidas em desastres

“Foi uma decisão monumental”, diz o britânico Thomas Goodhead, advogado que criou a tese jurídica que levou à condenação, na última sexta-feira, 14, da mineradora anglo-australiana BHP, uma das acionistas da Samarco, empresa responsável pelo desastre de Mariana (MG), em 2015. O Tribunal Superior de Londres concluiu que a empresa tem implicação direta no rompimento da barragem, pois tinha conhecimento dos riscos e condições de evitá-los.

O próximo passo será a definição das indenizações, que podem somar centenas de bilhões de dólares – a depender do que pleiteiam os autores das ações, que incluem municípios, igrejas, empresas e pessoas afetadas.

Em entrevista à coluna, Goodhead, que recentemente foi afastado do escritório que cuida do caso, segundo ele por pressões relacionadas ao processo, diz que o sucesso da sentença se deve acima de tudo ao fato de a lei brasileira ser bastante rigorosa na proteção do meio ambiente. Ele afirma também que é a falsa a interpretação de que uma decisão tomada por Flávio Dino, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), em agosto, inviabilizaria a responsabilização de empresas estrangeiras com atuação no Brasil em tribunais do exterior. Leia os principais trechos da entrevista:

Como o senhor avalia o significado jurídico da condenação da BHP neste caso de Mariana?

Trata-se de uma sentença absolutamente monumental. É a primeira vez que uma empresa de mineração como esta é considerada responsável, ao abrigo do que chamamos de “princípio do poluidor indireto”, ou seja, a lei ambiental brasileira sendo usada num tribunal em Londres, a fim de responsabilizar uma companhia australiana. E isso aconteceu agora, mais de dez anos depois do colapso da barragem.

Como no Brasil não houve condenação criminal das empresas BHP, Samarco e Vale, e tampouco dos indivíduos envolvido, ontem foi um dia monumental. Concluiu-se que a BHP causou o colapso da barragem. A expressão utilizada foi a de que foram “imprudentes”, pois havia conhecimento do que poderia acontecer. Isso foi especificamente a BHP, não apenas a Samarco, mas a BHP, que poderia ter evitado o colapso, que, claro, matou 19 pessoas e foi o pior desastre ambiental do Brasil.

Portanto, é uma vitória monumental, e também por responsabilizar empresas multinacionais por desastres nos países onde operam.

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E qual pode ser a implicação para as outras empresas?

Isso implicará que quase todas as empresas que têm uma base, por exemplo, na Inglaterra ou em qualquer outro lugar da Europa, mas que cometem crimes ambientais no Brasil, podem ser responsabilizadas.

Em termos práticos, como esta decisão fortalece a posição das vítimas que buscam indenização e reconhecimento?

Isso fortalece mais de 400.000 vítimas. No Brasil, as empresas alegavam que as reivindicações dessas pessoas estavam prescritas e que, como resultado disso, elas não poderiam buscar indenização. Mas o tribunal em Londres decidiu ontem que a prescrição em relação a essas reivindicações ainda nem começou. Isso abre a oportunidade para que as vítimas continuem buscando indenização nos tribunais ingleses. Mas também havia dezenas de milhares de pessoas que não aceitaram a indenização oferecida no Brasil sob o acordo de reparação, que foi acordado em outubro passado.

Essas pessoas agora podem buscar valores mais altos nos tribunais de Londres.

Recentemente, Flávio Dino, o ministro do STF, emitiu uma decisão que alguns consideram que pode enfraquecer os efeitos dessa condenação. Qual sua visão sobre isso?

A decisão em Londres determinou que os municípios brasileiros podem apresentar suas reivindicações nos tribunais da Inglaterra. A decisão de Flávio Dino no Brasil não se referia à possibilidade de apresentar as reclamações fora do Brasil, mas sim à possibilidade dos municípios pagarem taxas a um escritório estrangeiro no Brasil. Portanto, são realmente duas questões distintas.

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As empresas estão tentando dizer que a decisão do Dino terá impacto nas reclamações na Inglaterra, mas não acredito que isso seja correto.

Quais são os próximos passos legais, tanto no Brasil como no Reino Unido, para garantir que as vítimas realmente recebam reparações a partir dessa decisão judicial?

Na Inglaterra, o processo continuará agora para o que chamamos de fase de quantificação dos danos. Há um julgamento marcado para outubro de 2026, para definir os valores que as vítimas podem receber. No Brasil, houve o acordo de reparação em outubro passado, mas agora ele está encerrado. As pessoas tiveram a oportunidade de aderir a ele, se fossem elegíveis. Portanto, no momento, o foco das vítimas está realmente no caso em Londres.

Do ponto de vista jurídico, quais fatores mais contribuíram para essa decisão?

Foi o fato da legislação brasileira ser muito protetora do meio ambiente. O Brasil tem uma das legislações ambientais mais progressistas do mundo. E o princípio do “poluidor paga” é muito forte. E isso significa não apenas um poluidor, mas, neste caso, foram a BHP, a Vale e a Samarco. E o tribunal em Londres analisou cuidadosamente as decisões do STJ, as decisões do STF, os escritos acadêmicos dos principais juristas brasileiros. E chegou à conclusão de que a legislação ambiental protege as vítimas.

Portanto, uma das principais razões foi justamente o quão forte é a legislação brasileira em termos de proteção às vítimas. Além disso, o tribunal de Londres ouviu muitos fatos sobre o conhecimento que a BHP tinha dos riscos do colapso da barragem. Eles estavam aumentando o nível das quantidades de rejeitos que estavam sendo despejados.

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Houve oportunidades perdidas para melhorar a segurança. O tribunal analisou cuidadosamente todas essas questões. Em relação à responsabilidade, a análise factual detalhada foi muito importante.

Em relação aos municípios e à sua capacidade de litigar no estrangeiro, o tribunal rejeitou a sugestão de que isso constituía uma violação da soberania. Afinal, os municípios vieram voluntariamente para Inglaterra para tentar obter justiça contra a BHP. Não foi algo que o tribunal inglês lhes impôs. Por isso, a Justiça britânica rejeitou veementemente qualquer sugestão de que isso constituía uma violação da soberania nacional.

E quanto aos outros casos que estão em curso?

Existem outros casos, de fato. Por exemplo, o caso de Brumadinho, pelo qual a empresa alemã que certificou a segurança da barragem começará a ser julgada na Alemanha no início do próximo ano.

E o caso da Braskem, que está correndo na Holanda neste momento, em relação, obviamente, aos buracos em Maceió e ao desaparecimento de grandes partes da cidade. Há vários outros casos envolvendo a legislação ambiental brasileira, tanto no meu antigo escritório como em outros escritórios, que estão sendo apresentados na Inglaterra, na Alemanha e na Holanda.

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A importância da decisão da semana passada foi que, pela primeira vez, uma lei ambiental brasileira substantiva foi analisada com esse nível de detalhe por um tribunal europeu. Como o resultado foi tão positivo, tanto em relação à responsabilidade quanto em termos de prescrição, acredito que será muito benéfico para os outros casos que estão sendo julgados nos tribunais europeus sobre crimes ambientais no Brasil, em particular o caso de Brumadinho.

Recentemente, surgiram notícias sobre a sua saída do escritório que levava seu nome. Essa decisão está de alguma forma relacionada com os desenvolvimentos no caso Mariana?

Sim, está. A minha saída do escritório foi infeliz no sentido de que, obviamente, havia uma enorme pressão em todas as direções sobre este caso, exercida pelas empresas e por pessoas que têm interesse em que o caso não seja necessariamente bem-sucedido. Acredito que a decisão de ontem vai unir todos, todas as vítimas, o meu antigo escritório, eu, outros advogados, porque há milhares de advogados que trabalham neste caso no Brasil e em outros lugares que não estão no meu antigo escritório.

A decisão foi muito importante para que todos se lembrassem de que, independentemente do escritório de advocacia em que trabalham, ou de quem foi a tese jurídica, quem está a representar quais vítimas, o importante é responsabilizar as empresas de mineração por esses crimes.

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