Fora do Japão, o nome Century não é muito conhecido para além de pequenos grupos de entusiastas de automóveis. A marca de luxo da Toyota, destaque-se, é usada pela família imperial japonesa e por outros políticos do alto escalão, sinônimo de sofisticação e segurança. Dos bancos de tecido de lã de alta qualidade a massageadores nos bancos e cortinas nas janelas, o carro de estilo conservador virou febre entre colecionadores, genuínos caçadores de exemplares em bom estado, dispostos a pagar mais de 890 000 reais por um deles. A fabricante japonesa acaba de anunciar uma nova estratégia: venderá modelos do Century em mercados internacionais, principalmente os Estados Unidos. O objetivo é competir com as marcas mais luxuosas do planeta, como Rolls-Royce e Bentley. A briga não será fácil, mas a Toyota tem algumas cartas na manga.
O inédito caminho foi apresentado na edição deste ano do Japan Mobility Show, o antigo Salão do Automóvel de Tóquio, junto com o conceito Century Coupé, que deve moldar os próximos lançamentos. Em 2023, esse movimento já havia começado com a chegada do Century SUV, modelo que é vendido no Japão e na China. Em seu discurso, Akio Toyoda, presidente da companhia, afirmou querer fazer da grife Century um modelo que “molde os próximos 100 anos a partir do Japão”. Para isso, é natural, é preciso atravessar o mundo e agradar aos consumidores americanos. Por enquanto, a maneira como ele será ofertado ainda não foi oficialmente definida, mas imagina-se que estará posicionado acima da Lexus, a divisão de luxo da Toyota — ou seja, certamente custará bem mais do que 680 000 reais. A disputa, portanto, é no pequeno, mas poderoso mercado de ultraluxo, dominado pelos britânicos.

Assim como as rivais, a Century tem muita história. O nome é uma homenagem ao centenário de Sakichi Toyoda, nascido em 1867, fundador da Toyota Industries. O sedã de grande porte foi apresentado pela primeira vez em 1967 e sofreu pouquíssimas modificações até que novas gerações foram apresentadas, em 1997 e, depois, em 2018. Os carros usam um emblema próprio, a fênix, que representa a família imperial japonesa. Há unidades exclusivas usadas pelo imperador, bastante modificadas, com acabamento de granito e detalhes em papel washi, leve e translúcido, além de medidas específicas de segurança. Como o Cadillac usado pelo presidente americano, é um carro imponente e capaz de aguentar ataques terroristas.
As versões comercializadas para o público internacional não terão esses elementos adicionais de segurança, mas não serão menos luxuosas. Afinal, o público-alvo é bastante seleto. Em geral, são pessoas com ao menos 30 milhões de dólares para gastos, digamos, “supérfluos”. Segundo a consultoria Altrata, que monitora tendências de consumo entre os mais ricos, é uma fatia da população composta de cerca de 400 000 pessoas, número que pode subir para 528 000 até 2028, seguindo o ritmo atual de concentração de renda. Embora pareça um mercado limitado, ele é caracterizado pelo enorme potencial de despesas. E, com tanto dinheiro sobrando, a estrada é infinita.

O que esse público quer é um carro único. Não se trata de esportividade. Modelos com vocação para as pistas são equipados com motores mais potentes e custam muito menos. O que chama atenção de verdade é a capacidade de personalizar os veículos. Afinal, muitos dos compradores não dirigem os próprios carros e preferem viajar no banco de trás, deixando o trabalho de conduzir o veículo para um chofer. O Phantom, sedã da Rolls-Royce que completou 100 anos em 2025, custa a partir de 2,5 milhões de reais e é elaborado de forma artesanal, com cada detalhe, do tipo de material usado nas portas e no painel ao padrão de acabamento das costuras dos bancos, definido pelo comprador. A Bentley oferece um serviço semelhante, que permite ao cliente optar por revestimentos de pedras antigas ou detalhes em ouro 18 quilates. Para competir com esse nível de customização, os modelos da Century também serão produzidos da mesma maneira, com um “compromisso com o design e o fazer artesanal japoneses”. A notícia mexeu com o mercado automotivo, em movimento ainda mais poderoso porque brotou banhado de algum mistério. Assim é o mundo dos que sonham em cima de quatro rodas, cidadãos que não perdem a chance de acelerar a não mais poder.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970