Por um longo tempo, as mudanças climáticas foram tratadas em uma perspectiva de alerta para o futuro. Contudo, fenômenos recentes, no Brasil e no mundo, mostram que os impactos já são uma realidade. Para ter ideia, os prejuízos causados por catástrofes naturais somaram mais de R$ 37 bilhões apenas em 2024, sem contar o impacto sobre a saúde da população. No mundo, as perdas ultrapassaram US$ 258 bilhões, segundo levantamentos internacionais.
A escalada de desastres vem acompanhada de um aumento nas mortes ligadas ao clima. Um estudo publicado na revista Temperature estimou que mais de 34 mil pessoas morreram na Índia, entre 2001 e 2019, por causas diretamente relacionadas ao calor e ao frio extremos. Os pesquisadores apontam que o país reúne vulnerabilidades que também marcam o Brasil: densidade populacional elevada, urbanização desordenada, pobreza e mudanças climáticas aceleradas.
Outro levantamento, da Organização Mundial da Saúde (OMS), reforça o alerta. A cada aumento de 1 °C na temperatura mínima diária acima de 23,9 °C, o risco de morte infantil cresce até 22%, de acordo. As gestantes, recém-nascidos, crianças e idosos estão entre os grupos mais vulneráveis.
Diante desse cenário, o Ministério da Saúde lançou, durante a COP30, o Guia de Mudanças Climáticas e Saúde, uma publicação que traduz evidências científicas em orientações práticas para o cotidiano. O documento reúne recomendações sobre prevenção, vigilância e cuidados em situações de calor extremo, frio intenso, seca, poluição e enchentes, fenômenos que já moldam a rotina do país e desafiam o sistema público de saúde.
Veja abaixo alguns dos pontos abordados no documento
Equidade, gênero e racismo ambiental
O guia dedica um capítulo inteiro a debater o fato das mudanças climáticas não atingirem todos da mesma forma. Populações negras, indígenas, ribeirinhas e periféricas, além de mulheres, idosos e pessoas com deficiência, têm sido mais expostas aos efeitos do clima porque, historicamente, vivem em territórios mais vulneráveis à falta de infraestrutura, ao calor extremo, à poluição e à escassez de água.
Essa desigualdade estrutural é o que o documento chama de racismo ambiental, um termo cunhado nos anos 1980, pelo ativista norte-americano Benjamin Franklin Chavis Jr., para descrever como comunidades racializadas sofrem desproporcionalmente com a degradação ambiental. No Brasil, isso se traduz em bairros periféricos mais quentes, moradias próximas a córregos poluídos e populações tradicionais afetadas por queimadas e desmatamento.
As questões de gênero também ampliam os riscos. As mulheres representam 70% das pessoas em extrema pobreza no mundo e estão mais expostas a situações de insegurança alimentar, sobrecarga de trabalho doméstico e violência durante emergências climáticas. Já as pessoas LGBTQIA+ enfrentam vulnerabilidades adicionais, como o acesso restrito a abrigos e serviços de saúde em contextos de deslocamento forçado ou desastres.
O guia diferencia ainda dois tipos de vulnerabilidade:
- a intrínseca, ligada a fatores biológicos, como idade, gestação, doenças crônicas ou deficiência;
- e a socialmente produzida, resultado de desigualdades históricas e políticas, que expõem determinados grupos a riscos muito maiores.
Segundo o documento, adotar a equidade como eixo das políticas de adaptação climática é um ponto extremamente necessário para construir respostas justas e sustentáveis — ou, nas palavras do texto, “promover a justiça climática”.
Calor extremo
As ondas de calor estão entre as emergências climáticas mais graves (e silenciosas, já que muitas vezes os danos não são atribuídos a ele de forma imediata). A exposição prolongada a altas temperaturas pode levar à exaustão, desmaios e falência de órgãos. Mesmo calor moderado já aumenta o risco de infarto, AVC, insuficiência cardíaca, desidratação e agravamento de doenças renais e respiratórias.
O emocional também não fica de fora. O calor altera o humor, afeta o sono e está associado ao aumento de crises de ansiedade e irritabilidade. Entre gestantes, o risco é duplo: a elevação da temperatura corporal durante a gravidez aumenta a chance de parto prematuro, baixo peso ao nascer e complicações hipertensivas. Já em crianças pequenas, o corpo ainda não é capaz de regular bem o calor, o que as torna mais propensas à desidratação e a infecções gastrointestinais.
O impacto também é desigual do ponto de vista social. Quem vive em moradias precárias, sem ventilação adequada ou acesso à água potável, enfrenta condições muito mais perigosas durante as ondas de calor. As chamadas ilhas de calor urbano — áreas densamente construídas, com pouco verde — podem registrar temperaturas até 5 °C mais altas que bairros arborizados, o que amplia o risco de adoecimento.
Efeitos menos lembrados também merecem atenção. O calor extremo resseca os olhos, favorecendo casos de olho seco e inflamações oculares, e pode até interferir na pressão intraocular. Pesquisas recentes também mostram que o aumento da temperatura acelera a degradação do plástico e a liberação de micro e nanoplásticos no ar e na água — partículas microscópicas já detectadas no sangue, nos pulmões e até na placenta humana, com potencial de provocar inflamação e danos celulares.
Como se proteger:
Beba bastante água ao longo do dia, mesmo sem sede;
Prefira roupas leves, claras e de tecidos naturais;
Mantenha os ambientes ventilados e frescos — feche cortinas nas horas mais quentes e abra janelas à noite;
Evite atividades físicas ou trabalhos pesados entre 10h e 16h;
Tome banhos frios e consuma alimentos leves, como frutas e saladas;
Dê atenção especial a idosos, crianças, gestantes e pessoas com doenças crônicas;
Nunca permaneça em veículos parados e sem ventilação;
Para quem trabalha ao ar livre, faça pausas frequentes à sombra e hidrate-se com frequência.
Quedas de temperatura
As quedas bruscas de temperatura também trazem riscos importantes à saúde. O frio intenso faz os vasos se contraírem, eleva a pressão arterial e aumenta a viscosidade do sangue, sobrecarregando o coração e elevando o risco de infarto, AVC e arritmias, principalmente entre idosos e pessoas com doenças crônicas. Além disso, o ar gelado irrita as vias respiratórias, favorecendo crises de asma, bronquite e infecções respiratórias.
As consequências não param aí. O frio extremo pode levar à hipotermia, agravar doenças renais e impactar a saúde mental, especialmente entre pessoas idosas e com condições neurológicas, como Alzheimer e Parkinson. Estudos mostram que as baixas temperaturas estão associadas a maior mortalidade por demência e AVC, além de sintomas de depressão sazonal, um quadro caracterizado por desânimo, cansaço e alteração do sono durante os meses frios e menos ensolarados.
Entre gestantes, o frio pode aumentar a pressão arterial e elevar os níveis de estresse, além de coincidir com períodos de maior circulação de vírus respiratórios, que representam risco adicional para mãe e bebê. Crianças pequenas, por sua vez, têm maior perda de calor corporal e estão mais propensas à hipotermia e às doenças respiratórias.
Como se proteger:
Use roupas em camadas, cobrindo bem mãos, pés e cabeça;
Mantenha o ambiente aquecido e ventilado, evitando o uso de carvão ou lenha em locais fechados;
Evite banhos frios e exposição prolongada ao ar livre;
Hidrate-se e mantenha uma alimentação equilibrada;
Fique atento a idosos, crianças e pessoas acamadas;
Procure atendimento médico diante de sinais de hipotermia, como tremores intensos, extremidades frias ou confusão mental.
Poluição do ar
A poluição atmosférica é hoje uma das principais causas de adoecimento e morte no planeta. Segundo o guia, ela está associada a mais de 8 milhões de mortes anuais e agrava doenças cardíacas, respiratórias, renais e neurológicas. No Brasil, os maiores índices de poluição se concentram nas regiões Sudeste e Norte, onde há maior ocorrência de queimadas e tráfego intenso.
“Durante episódios de fumaça intensa, como os registrados na Amazônia e no Centro-Oeste, os níveis de partículas finas podem ultrapassar em até 20 vezes o limite seguro recomendado pela OMS”, diz o documento.
Os efeitos vão muito além dos pulmões. O ar poluído provoca inflamação e estresse oxidativo, contribuindo para infarto, AVC, asma e bronquite. Há também indícios de impacto sobre a saúde mental e hormonal, com aumento de sintomas de ansiedade, depressão e até infertilidade.
Crianças, gestantes e idosos são os mais vulneráveis. A exposição aumenta o risco de partos prematuros, asma e infecções respiratórias. Também há evidências de que a poluição afeta olhos e pele, causando irritações, alergias e envelhecimento precoce.
Como se proteger:
Evite a queima de lixo, lenha ou carvão dentro de casa e reduza o uso de lareiras, fogões a lenha e cigarros em períodos de alta poluição;
Use máscaras PFF2, N95 ou R95 em áreas afetadas por fumaça — elas ajudam a filtrar partículas finas do ar;
Mantenha portas e janelas fechadas e, se possível, utilize filtros HEPA para melhorar a qualidade do ar interno;
Dentro de automóveis, mantenha a ventilação interna e as janelas fechadas durante picos de poluição;
Acompanhe os alertas de qualidade do ar e evite atividades físicas ao ar livre em dias críticos;
Estimule o transporte ativo e sustentável, como caminhar, pedalar ou usar transporte público;
Evite a queima de resíduos e pratique a reciclagem e o reuso de materiais;
Para pessoas com doenças respiratórias, siga o tratamento indicado e procure atendimento médico se houver piora dos sintomas.
Secas e falta d’água
A seca traz uma série de efeitos menos visíveis, mas igualmente graves. A escassez de chuva compromete o abastecimento e a qualidade da água, aumenta os casos de doenças diarreicas e renais e afeta a alimentação e a nutrição infantil.
Além disso, com o solo ressecado e menor produção de alimentos, cresce a insegurança alimentar, especialmente em regiões rurais e ribeirinhas. A desidratação se torna mais frequente e perigosa entre crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas. E a combinação de seca, calor e queimadas também piora a qualidade do ar, o que pode agravar doenças respiratórias e cardiovasculares.
Como se proteger:
Evite o desperdício de água e ajude a proteger fontes de abastecimento;
Mantenha uma reserva de água potável devidamente armazenada;
Aproveite a água da chuva para usos não potáveis, como irrigação e descarga sanitária;
Identifique pessoas mais vulneráveis à escassez hídrica, como idosos, gestantes e crianças;
Para beber ou cozinhar, trate a água com hipoclorito de sódio (disponível no SUS) ou ferva antes do consumo;
Fique atento a sintomas de doenças transmitidas pela água e procure uma unidade de saúde se necessário.
Enchentes
Cada vez mais frequentes no Brasil, as enchentes estão entre os eventos climáticos com maior impacto sobre a saúde. Além dos riscos imediatos — como afogamentos, ferimentos e traumas —, a água contaminada espalha doenças infecciosas, como leptospirose, hepatite A, diarreia e dengue. O contato direto com a lama pode causar infecções de pele e conjuntivite, enquanto o ar úmido e o mofo que se formam após as chuvas agravam crises respiratórias e alérgicas.
Os efeitos, porém, vão além do corpo. A perda de casas, bens e o deslocamento forçado geram sofrimento mental que pode durar meses, com aumento nos casos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático. Em gestantes, enchentes prolongadas estão associadas ao baixo peso ao nascer e à interrupção do pré-natal — reflexo da dificuldade de acesso a serviços de saúde durante os desastres.
Pacientes com doenças crônicas, pessoas em situação de rua, comunidades ribeirinhas e famílias que vivem em áreas de risco estão entre os mais vulneráveis, seja pela exposição direta à água contaminada, seja pela interrupção de serviços essenciais como energia, saneamento e atendimento médico.
Como se proteger:
Evite contato direto com a água das enchentes e não a utilize para higiene, preparo de alimentos ou consumo;
Use botas, luvas e capas protetoras ao circular em áreas alagadas;
Desligue energia, gás e água antes de deixar o imóvel;
Busque abrigo apenas em locais seguros e indicados pelas autoridades;
Evite trafegar de carro em vias inundadas e jamais atravesse áreas alagadas;
Após as chuvas, higienize bem alimentos, utensílios e objetos;
Procure atendimento médico em caso de febre, dores musculares ou ferimentos — sintomas que podem indicar leptospirose ou outras infecções.