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Falência sistêmica: caso BBC ilustra problemas – e não só de jornalismo

A “direita” está usando a “controvérsia” do vídeo manipulado de Donald Trump para destruir a BBC. Esta foi basicamente a reação de altos cargos da emissora, em on e em off. Por si só, já desmascara a tentativa de defesa: se a BBC está sendo atacada pela direita é porque é de esquerda ou o que chama hoje de esquerda woke, a turma que ama o Hamas, odeia Israel, execra qualquer coisa feita por brancos hétero, acha heresia a mínima abordagem crítica ao dogma da mudança climática e chama todo mundo de mulher, exceto as mulheres mesmo.

Vamos a um exemplo que aconteceu simultaneamente à erupção do caso do vídeo fraudado de forma a convencer os espectadores que Trump estava incitando a massa a invadir violentamente o Capitólio.

Enquanto todas as atenções se concentravam na divulgação do memorando independente que resultou na demissão do diretor-geral, Tim Davie, e da diretora de jornalismo, Deborah Turness, passou quase despercebido um fato paralelo: a apresentadora de noticiário Martine Croxall recebeu uma advertência por ter acrescentando a palavras “mulheres” quando lia um texto sobre a necessidade de precauções extras, durante ondas de calor, no caso de “pessoas grávidas”.

Isso mesmo, ela foi repreendida por chamar mulheres de mulheres. O uso do termo “pessoas grávidas” pretende preservar a dignidade da infinitesimal minoria de mulheres biológicas que se declaram homens, mas engravidam mesmo assim. É um caso de wokismo em estado extremo. Todos, todas e todes – alerta de ironia – devem ser tratados com respeito, mas eliminar a “mulheridade” em nome do politicamente correto é um absurdo sem tamanho. Qual o malefício que aconteceria se mulheres biológicas que se consideram homens fossem chamadas, em termos gerais, de “mulheres grávidas”? E a ofensa às grávidas que, de mulheres, se tornaram “pessoas”?

A patrulha é tamanha que uma funcionária trans da BBC tem a palavra final em todas as reportagens sobre o assunto. Adivinhem o que acontece com o menor traço de discordância da linha justa.

GOSTINHO DE REVANCHE

Esse é o pensamento da esquerda woke que, tendo nascido com boas intenções, se tornou um amontoado de distorções visto hoje em todas as esferas em que predominem profissionais de classe média que estudaram em boas escolas, tendo os privilégios – e a culpa – daí decorrentes. A BBC, um gigante estatal mundial, com vinte mil funcionários, que opera em todas as esferas das comunicações, do jornalismo ao entretenimento, é um reflexo disso.

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O fato de que tantos tenham tentado atribuir a desmoralização jornalística causada pelo vídeo manipulado a uma conspiração de direita mostra como a obsessão ideológica obstrui as mentes mais brilhantes.

É claro que a BBC está sendo criticada pela direita – é uma chance rara para os conservadores ou populistas terem um pequeno gostinho de revanche por serem tratados, habitualmente, como reencarnações de Hitler.

E não é apenas no conglomerado de comunicações que a ideologia woke se manifesta. Vários médicos do NHS, o serviço público de saúde – em si, cheio de problemas sistêmicos de atendimento -, em geral de origem árabe ou da esfera muçulmana, precisaram sem punidos, depois de muita relutância, por exaltarem o ataque assassino do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023. Manifestações antissemitas viraram práticas frequentes.

SANTO DE DIREITA

Voluntários do National Trust, a instituição encarregada de zelar pelo riquíssimo patrimônio britânico, foram advertidos ou até dispensados por não quererem usar crachás com o arco-íris LGBTetc. É impossível hoje entrar em qualquer museu ou local histórico sem ver extensas explicações, ao lado de obras de arte e monumentos, condenando o passado colonial.

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“Descolonização” ainda faz sucesso no mundo da bolha acadêmica e do serviço público que considera um fascista irreversível qualquer cidadão que manifeste admiração pela história nacional ou, horror dos horrores, empunhe uma bandeira de São Jorge. O santo patrono da Inglaterra e a cruz vermelha sobre branco que o representa viraram manifestações de extrema direita.

Diz uma frase apócrifa atribuída a Winston Churchill que se a BBC cobrisse a luta de São Jorge contra o dragão, torceria pelo dragão. A realidade está se aproximando ou já entrou plenamente nisso.

Pessoas que postam comentários contra imigrantes recebem visitas da polícia por inexistentes crimes de opinião. Uma mulher recebeu uma indenização de treze mil libras por ter sido detida duas vezes quando estava parada perto de uma clínica de aborto, rezando em silêncio, sem nenhuma outra manifestação externa.

Universidades veneráveis como Oxford e Cambridge foram dominadas a tal ponto pela ideologia woke que a qualidade do ensino acabou seriamente afetada. O presidente do Oxford Union, o legendário clube de debates da universidade, comemorou o assassinato de Charlie Kirk. George Abaraonye havia debatido com o americano e até se saído razoavelmente bem, considerando-se a habilidade de Kirk em sabotar os argumentos de adversários, mas achou que o atentado merecia ser celebrado.

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CAÇADA ORWELLIANA

É claro que o extremo descompasso entre o mundo woke e o mundo real provoca reações e as pesquisas mostram que o partido Reforma, criado do nada por Nigel Farage, o populista pioneiro do Brexit, teria hoje uma vitória de abalar as estruturas do sistema político. Seria, por esmagadora maioria, primeiro-ministro. No momento, a furiosa luta interna entre correntes de esquerda do Partido Trabalhista o fortalece mais ainda, tendo provocado especulações de que o governo do primeiro-ministro Keir Starmer pode ter prazo de validade antecipado.

Farage até que se conteve na reação ao escândalo na BBC, onde é tratado habitualmente como uma entidade demoníaca. Ele só disse que a emissora foi “contaminada pelo vírus esquerdista”. E voltou a defender a revisão do pagamento da taxa anual de 179,50 libras – cerca de mil reais – para ter o direito de não só ver a BBC, como qualquer outra emissão televisiva.

É claro que o mundo digital acabou com esse monopólio, que no passado levou à existência de veículos dotados de antenas e outros equipamentos especiais para localizar e multar quem tivesse o atrevimento de ver televisão sem pagar a taxa, numa caçada orwelliana.

Este é, obviamente, o grande problema da BBC, tal como de todos os veículos tradicionais: o modelo do passado, tão extraordinariamente bem sucedido, não existe mais. Quando à superação tecnológica se combina o pensamento único vigente em tantos desses meios, incompatível com o de uma grande parcela do público, as perspectivas se tornam mais negativas ainda.

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O problema é sistêmico e nenhum movimento, mesmo fraquíssimo, em direção a alguma mudança tem possibilidade de dar certo. O modelo está errado.

Entre outras, as provas são as diversas manifestações de altos funcionários sem o menor esboço de um pedido de desculpas, não a Trump, embora ele também as mereça – e, em todo caso, tenha anunciado um pedido de indenização de um bilhão de dólares – , mas ao público que foi mentirosamente informado e manipulado.

PAPEL DE VIGILÂNCIA

É doloroso ver que a grandiosa BBC, um modelo histórico de jornalismo de alta qualidade, chegou nisso. Outra pancada paralela revela: o serviço da emissora em árabe estava tão mobilizado para culpar Israel e eximir o Hamas que precisou fazer nada menos do que 215 correções – e isso só por causa da patrulha de uma organização pró-Israel. Não são, como se vê, erros eventuais, inerentes à natureza do jornalismo, mas uma atitude sistemática e politizada, justificando o apelido de bastidores da emissora, BBCcira, por analogia à Al Jazira.

O noticiário em árabe chegou a dizer que as brigadas do Hamas estavam “guardando”os reféns israelenses. Dá para acreditar?

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Todas as sociedades precisam muito do insubstituível papel de vigilância exercido pela imprensa independente e é normal, nas democracias, que a esquerda exalte os erros da direita e vice-versa. E se um veículo “alivia” para escondê-los no caso de seus preferidos, outro está lá para mostrá-los. Faz parte do jogo. Anormal é inventá-los, em nome de simpatias políticas.

Ao contrário dos outros meios de comunicação, que podem explicitar suas preferências políticas, a BBC é uma emissora pública, paga por cidadãos com diferentes opiniões, com a obrigação inegociável da imparcialidade.

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