Primeiro réu a ser interrogado no processo que investiga a trama golpista, Mauro Cid sentou-se diante do ministro Alexandre de Moraes às 14h19 da segunda-feira, 9, para, na condição de delator, descrever a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro, do ex-candidato a vice Walter Braga Netto e de antigos integrantes do governo na orquestração de um golpe de Estado no país. Como colaborador premiado, ele é obrigado a renunciar ao silêncio e dizer tudo que sabe – sem evasivas, omissões ou mentiras. Reportagem de VEJA que chegou nesta quinta-feira, 12, nas plataformas digitais mostra que, para além de uma postura errática, Cid mentiu.
Com a revelação de VEJA sobre as confissões e ataques do ex-ajudante de ordens a investigadores e ao ministro Alexandre de Moraes em conversas com interlocutores no perfil “@gabrielar702”, os réus acusados de golpe de Estado contam com uma arma extra para pedir a rescisão da colaboração do militar. No interrogatório, Cid havia dito que não usara redes sociais e tampouco comentara qualquer tema de sua delação com terceiros. Não era bem assim.
“Talvez as defesas explorem que, se o próprio delator não é confiável ou, por hipótese, só 50% das histórias que ele contou foram confirmadas, a tendência de se acreditar nos outros 50% diminui também. É uma tentativa de desacreditar a palavra dele”, diz Thiago Bottino, professor de Direito Processual Penal da FGV Rio.
Na sexta-feira, 13, o ex-ajudante de ordens foi alvo de buscas por ter articulado a emissão de um passaporte português por meio do ex-ministro do Turismo do governo Bolsonaro Gilson Machado. Chamado a prestar esclarecimentos na Polícia Federal, também foi questionado sobre a nova reportagem de VEJA.
“Com certeza uma reincidência, ou o Cid pisar na bola duas vezes com a mesma Corte, é muito grave. Cid pode ser punido por isso independentemente da utilização das provas que ele ajudou a produzir”, completa Bottino. Em uma série de áudios revelados por VEJA em março de 2024, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro já havia violado o acordo de delação e tentado desqualificar seus próprios depoimentos, com acusações graves contra Moraes e a Polícia Federal.
Na ocasião, disse que investigadores o pressionaram a relatar fatos que simplesmente não aconteceram e detalhar eventos sobre os quais não tinha conhecimento. O ex-ajudante de ordens afirmou na época que policiais o induziram a corroborar declarações de testemunhas e apontou um delegado que o teria constrangido a reproduzir informações específicas sob pena de perder o acordo e os benefícios da delação premiada. Preso, depois resumiu tudo como um “desabafo”.
“Uma possibilidade factível nesse caso é a rescisão total ou parcial do acordo de colaboração, que ocorre, por exemplo, quando o colaborador descumpre o acordo, omite um fato, mente ou volta a delinquir. Cid já teve a oportunidade de fazer um recall do acordo quando a VEJA divulgou os áudios. Ele teve uma segunda chance ali”, avalia o criminalista Thulio Guilherme Nogueira, sócio-fundador da DNA Penal. “A quebra deste acordo por uma rescisão total ou parcial vai minar a credibilidade do delator e fortalecer a defesa dos acusados. Os advogados vão poder dizer que o colaborador mentiu, que as provas são tortas, sem credibilidade” afirma.
Para Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), “como grande parte do conjunto probatório demonstrativo da autoria delitiva decorreu da colaboração premiada celebrada pelo tenente-coronel Mauro Cid, se a colaboração cair, de uma certa maneira isso vai ensejar o enfraquecimento geral do conjunto probatório”. “Todos os advogados, todas as outras partes e os outros corréus estão interessados em derrubar a colaboração de Mauro Cid, mas o tribunal é quem vai ter que decidir se isso [a postura de Cid] compromete ou não o acordo de colaboração. O ministro Alexandre vai sopesar se houve reiteração, se o comportamento foi contumaz, se havia o elemento subjetivo do dolo de violar ou não o acordo de colaboração e decidir se o acordo de colaboração cai ou não cai”, afirma o jurista.
Segundo Sampaio, embora a fase de produção de provas esteja praticamente encerrada – são apenas cinco dias para pedir novas diligências, que terão de ser analisadas caso a caso –, em tese é possível incluir elementos novos no processo. “Já tivemos os testemunhos de defesa, os testemunhos de acusação e o interrogatório dos acusados, mas se as defesas protestarem por novas provas, uma eventual perícia de local, uma perícia de documento, uma eventual juntada nova de documentos e a Primeira Turma deferir essa juntada, ainda poderíamos ter novas provas”, diz.