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“Soluções pequenas levam desenvolvimento para a região”, diz presidente do Banco da Amazônia

Em um momento em que a Amazônia enfrenta desafios cruciais de desenvolvimento e sustentabilidade, o Banco da Amazônia (BASA), instituição de fomento controlada majoritariamente pelo governo federal, está aproveitando a COP30 em Belém, no Pará, para anunciar investimentos bilionários e novas parcerias internacionais voltadas a financiar projetos verdes. Na entrevista a seguir, Luiz Lessa, presidente do BASA, detalha as estratégias do banco para conciliar crescimento econômico com preservação ambiental na região, discutindo desde infraestrutura energética até bioeconomia e a importância de soluções adaptadas à realidade amazônica.

Quais são as principais iniciativas de financiamento que o banco tem desenvolvido para atrair capital para projetos verdes na região?

O banco tem um componente muito claro em sua missão: contribuir para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. E temos uma estratégia muito clara para transformar isso em realidade. Atuamos em três níveis. Primeiro, tentamos apoiar os pequenos produtores com recursos financeiros e assistência técnica. Falamos de Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), por exemplo, para que as pessoas desenvolvam seus negócios rurais ou urbanos não apenas com recursos, mas com assistência técnica completa. Segundo, criamos benefícios diretor para determinados empreendedores. Mas temos um grande problema: infraestrutura. Quando olhamos para a Amazônia, nosso maior entrave é a energia elétrica. Ainda temos aproximadamente 180 usinas queimando óleo diesel. Para cada litro de diesel queimado para gerar energia, dois ou três litros são gastos no transporte. É poluente e altamente ineficiente. Aqui há muitas oportunidades. Terceiro, apoiamos o que chamamos de hubs de desenvolvimento potenciais que cada região da Amazônia possui. As regiões são diferentes: temos zonas francas, temos o sul mais voltado para agronegócio. Apoiamos o desenvolvimento de plantas esmagadoras de soja, fábricas de fertilizante, indústrias de etanol. Geramos um ecossistema local com maior valor agregado, gerando empregos diretos e indiretos, além de toda uma cadeia de insumos.

Como o banco vem trabalhando especificamente com infraestrutura e energia elétrica?

Há algum tempo estamos focando em energia elétrica de forma integral. Financiamos o Linhão entre Parauapebas e Manaus — o penúltimo trecho. Estamos em um consórcio financiando o último trecho entre Manaus e Boa Vista. Mas sabemos que transmissão não é suficiente. Nossos recursos são finitos. O banco é gestor do Fundo Constitucional do Norte, que recebe recursos de 3% do IPI e 3% do imposto de renda — cerca de 4 a 6 bilhões de reais por ano. Dos recursos do fundo constitucional, podemos destinar apenas 20% para infraestrutura. É um volume que parece grande, mas é pequeno para as necessidades da Amazônia. Por isso, buscamos alternativas. Voltamos a operar o Fundo de Desenvolvimento da Amazônia, gerido pela Sudam. Operamos com recursos do BNDES. E começamos a pensar em mecanismos multilaterais.

Quais são essas parcerias multilaterais?

No ano passado, fizemos uma parceria com a Fundação de Desenvolvimento para transição energética de 80 milhões de euros — cerca de 100 milhões de dólares. Estamos finalizando um acordo com o Banco Mundial de 100 milhões de dólares, já aprovado pelas diretorias de ambos os lados e com garantia soberana do Tesouro. Agora estamos na fase de operacionalização — assinar e fechar quais são os projetos para o dinheiro começar a chegar. Esses dois financiamentos vêm acompanhados de recursos não reembolsáveis para assistência técnica: 4 milhões de dólares com a Fundação de Desenvolvimento e cerca de 275 a 300 milhões de dólares do Banco Mundial. Por quê? Para investir em assistência técnica para quem vai fazer projetos de transição energética, ajudando na estruturação. Esses são recursos de longo prazo, e sabemos que transição energética precisa disso.

Funcionam como empréstimos tradicionais?

É um repasse. O banco é como se tivesse tomado o empréstimo, mas só tomamos quando temos a outra parte para receber os recursos também. É uma operação de repasse. Falamos de 200 milhões de dólares, ou 1 bilhão de reais. Parece muito, mas dado as necessidades da Amazônia, ainda precisamos de mais recursos.

O banco anunciou recentemente três novos fundos. Como funcionam?

Na semana passada, divulgamos que estamos criando três fundos com objetivo de captar 4 bilhões de reais. O banco se compromete com 500 milhões de reais como investimento-âncora. Um fundo é voltado para infraestrutura verde — a transição energética está incluída. Outro fundo é para reflorestamento e crédito de carbono. O terceiro é para resiliência em geral, mais abrangente. Com isso, saímos de um orçamento de 20% do FNO, o fundo constitucional — cerca de 1,26 bilhão de reais — para ter talvez 5 bilhões de reais destinados à transição energética na Amazônia.

Essa transição energética abrange que tipos de projetos?

Vai em todos os sentidos. Desde grandes projetos de linhas de transmissão até incentivos para concessões de usinas que hoje rodam com diesel serem transformadas em usinas híbridas — funcionando com gás, bateria e energia solar. Isso é uma característica da região. Não podemos investir em eólica aqui, não temos essa capacidade. Energia solar sozinha é viável principalmente no Cerrado, em Tocantins, onde temos vegetação mais baixa. Na Amazônia, precisamos de soluções pequenas e pontuais. Acreditamos que essa combinação de gás com bateria e solar é solução para os sistemas isolados atuais.

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O que são esses sistemas isolados?

Temos o Sistema Integrado Nacional, operado pelo ONS, que despacha usinas térmicas e hidrelétricas, fazendo um equilíbrio de quem está ligado e desligado. Sistemas isolados não estão conectados ao grid nacional. Produzem para si mesmos, em pequenas cidades no meio da Amazônia, onde não chega linha de transmissão. Os linhões resolvem parte do problema, mas precisamos do que chamamos de “espinha de peixe” — conexões secundárias para conectar subestações e fazer distribuição. Os sistemas isolados vão continuar existindo por bastante tempo. Temos uma linha de crédito para pequenas comunidades de ribeirinhos e comunidades no meio da floresta. Com instrumentos simples — uma placa solar e uma bateria — conseguimos acumular energia para uma geladeira, oito lâmpadas. Isso é importante para famílias que não têm acesso à energia elétrica e que vão demorar a ter, dado o sistema integrado.

Dê um exemplo prático de como isso funciona.

No Pará, temos o açaí — produto altamente consumido. A pessoa que o colhe no interior tem um problema: precisa escoar rápido. Se não tem acesso a um motor e uma rabeta — como chamam as lanchas aqui — tem que vender por preço baixo ao intermediário. Com financiamento para pequenos produtores, conseguimos proporcionar o barquinho e o motor para ele trazer o produto e comercializar — tem um ganho. Mas quando entregamos energia, ele consegue um freezer, um batedor, pode armazenar o açaí processado e vender com valor agregado. Não vende cru, direto do pé. A transição energética geralmente é vista de forma ampla, mas quando colocamos a lupa, vemos que soluções pequenas levam desenvolvimento para a região.

Os critérios ambientais são rigorosos para acessar esses recursos?

Claro. Todo o fomento exige que a pessoa esteja dentro da lei. O Banco da Amazônia sempre foi inovador nisso. A partir de um determinado valor, exigimos relatório de impacto ambiental — isso não é padrão no sistema financeiro. Nos financiamentos pequenos, usamos imagem de satélite e temos mais de 30 itens de verificação para garantir que o recurso não gera entropia ambiental ou social — como trabalho escravo — e para verificar o tipo de manejo que o empreendedor está utilizando na propriedade. Fazemos isso há muitos anos, são cerca de 33 itens de verificação para mitigar a probabilidade de conceder crédito que não coaduna com nossa visão de desenvolvimento regional.

Como o banco atrai esses investidores para os três novos fundos?

O banco é a ancoragem — o investimento-semente que atrai outros. Logo após a COP, faremos roadshow. Existem muitos “bolsos” — tanto nacionais quanto internacionais — voltados para investimentos e financiamentos ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança). Vamos contar nossa história. Temos 83 anos na região, sabemos fazer crédito, conhecemos as dificuldades e entraves. Nossos créditos são extremamente rígidos com ESG. Temos uma boa narrativa para dizer: “Venham conosco que a gente sabe como se faz aqui”.

Como definem “retorno” nesses fundos ESG?

Não necessariamente têm margem de retorno menor. Mas tem que ser combinado com melhoria da qualidade de vida, educação, saneamento básico, desmatamento ou reflorestamento. Tem uma série de indicadores, dependendo do que está sendo financiado, associados aos retornos financeiros. Essa é a diferença: não é “quero X de retorno financeiro”, é “quero retorno financeiro mais isso e aquilo”.

Por que projetos verdes são um bom negócio?

Quando temos rastreabilidade — se o seu produto está rastreado, seja proteína, grãos ou manufaturados — você consegue atender mercados mais exigentes. Temos o deforestation-free europeu, então se você não tem rastreabilidade, não consegue vender para a Europa. Já está em teste este ano, em vigência total no ano que vem. Rastreabilidade sobre todos os aspectos: demonstrar que não tem trabalho escravo, desmatamento, poluição de água ou ar, e que você contribuiu com benefícios para a sociedade. Importante frisar: temos 30 milhões de pessoas vivendo na Amazônia Legal. Precisamos cuidar delas. Hoje, a Amazônia tem 83% em média de preservação de cobertura florestal, mas mais de 70% da população vive abaixo do mínimo aceitável de IDH. Precisamos de equilíbrio — sustentabilidade ambiental, social e econômica. Precisamos gerar riqueza para essas pessoas terem vida melhor.

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Qual é o papel da bioeconomia nesse cenário?

Bioeconomia é aquilo que você faz gerando benefício econômico com mínimo impacto ambiental. Quando falamos de produção em SAF — Sistema Agroflorestal — migração floresta-indústria-produção, estamos falando de bioeconomia. Podemos fazer isso com pequenos produtores. Os coletadores de cacau, por exemplo — cacau é nativo aqui. Você não planta, ele já está lá. Você faz manejo para que continue produzindo e se reproduzindo. Isso é bioeconomia em escala pequena, de uma família, ou em escala de cooperativa. Temos aqui no Pará produção de óleo de palma. Há uma visão antiga, mas hoje mesmo em monoculturas como palma — a gente importa 40% da Indonésia, e palma está em tudo — há possibilidades. Com espaçamento entre palmeiras, você pode ter fruta, maracujá, cacau, produção de proteína, frango, produção leiteira. Começamos a juntar as possibilidades.

Tem um exemplo concreto?

Temos um projeto há 5, 6 anos com um produtor em Roraima. Mapeamos a propriedade em termos de preservação ambiental e áreas utilizáveis. Fizemos um piloto readequando áreas de preservação, melhorando manejo do rebanho. Hoje, a foto de satélite mostra exatamente o que deveria ser em termos de preservação. Tudo replantado, matas ciliares recuperadas. Por conta disso, tem mais água, melhor manejo da alimentação do rebanho, produção de proteína maior do que antes. Existem possibilidades, precisamos conscientizar produtores — desde pequenos que usam queimada até grandes — de que soluções existem e são economicamente viáveis.

Como o banco trabalha com a agricultura familiar?

Na região Norte, a agricultura familiar usa entre 80 e 90% dos recursos para pecuária. Nosso grande desafio é: a gente consegue continuar com pecuária — é ancestral — mas o que mais conseguimos fazer junto? Para que tenham outras fontes de renda. Aí entra assistência técnica para induzir mudança de comportamento. Quando chegamos aqui, fazíamos 600 milhões de reais em Pronaf em 2023, atendendo cerca de 30 mil produtores. Este ano vamos fazer mais de 2 bilhões de reais, atendendo em torno de 100 mil produtores. É um trabalho de formiguinha — convencer. O cara mexe com pecuária, falamos: “Você pode trazer outras coisas para sua área”. Ele não sabe fazer. Temos que ensinar. Combinamos com assistência técnica — privadas e públicas, Emater e Ateers dos estados — para somar esforços nesse processo de transformação via convencimento.

Qual é a finalidade da participação do banco na COP?

A COP está acontecendo em casa. Muitas discussões que estão sendo feitas aqui são do nosso dia a dia — operamos basicamente na região Norte. Temos a oportunidade de mostrar o que estamos fazendo. Temos um stand na Greenzone com um pequeno auditório, programação de manhã e tarde com painéis. Vamos trazer exemplos do que estamos fazendo com parceiros e clientes — casos de sucesso replicáveis. Queremos mostrar a diversidade, como fazer negócio aqui. Não queremos guardar para nós, queremos mais players atuando na região.

Qual é a importância disso?

Não dá para trazer uma solução empacotada dizendo “isso é a solução para tal coisa na Amazônia”. Não vai funcionar. Precisamos construir soluções dada a realidade — como falei, quase 90% da agricultura familiar faz pecuária. É uma realidade. Não dá para apertar um botão e mudar do dia para a noite. Nosso primeiro objetivo é divulgar o que estamos fazendo. O segundo é convidar mais parceiros para se juntar ao banco — esses fundos são primeiros exemplos, mas temos outras coisas. Montamos uma facility com o Instituto Amazônia Mais 21, iniciativa da CNI, um escritório de projetos para ajudar empresários e empreendedores a apresentarem projetos para serem financiados — pelo banco, com recursos nacionais ou internacionais, pelos fundos, ou para captar parceiros para equity do projeto. O terceiro objetivo é divulgar mais o banco. Recursos existem no mundo inteiro, necessidades na Amazônia são grandes demais. Precisamos combinar recursos com realidade. Temos 83 anos, podemos ajudar bastante com soluções realísticas e replicáveis.

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