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Irresponsabilidade

As Constituições servem para estabelecer a estrutura fundamental do governo (Legislativo, Executivo e Judiciário), definir os limites dos poderes e das instituições, assegurar direitos e garantias individuais. Buscam conter o poder arbitrário. Finalmente, plasmam os princípios e valores básicos da sociedade e as condições para alcançar as aspirações nacionais.

Assim, emendas constitucionais precisam ter tramitação muito cuidadosa. Devem ser aprovadas em duas votações em cada casa do Parlamento. O tempo entre elas deve ser suficiente para permitir uma reflexão da sociedade e dos legisladores sobre a alteração. No Brasil, esse interstício é de quarenta sessões. Nos Estados Unidos, exige-se a aprovação de três quartos das assembleias legislativas estaduais. Leva dois anos ou mais para a aprovação final.

Aqui, a Constituição inclui regras típicas de leis ordinárias. A Carta Magna de 1988 anistiou dívidas de agricultores e pequenas empresas, alterou o regime jurídico dos servidores públicos, incluiu uma menção ao Colégio Pedro II, criou sete monopólios para a Petrobras e dispôs sobre o Instituto de Resseguros do Brasil. Diversas emendas estabeleceram o calote de precatórios, que são dívidas líquidas e certas do poder público.

“O governo federal estima um déficit atuarial de 800 bilhões de reais ao longo dos próximos cinquenta anos”

Nos últimos anos, as emendas versaram sobre temas que não deveriam ter sido incorporados na Constituição. Os parlamentares se valeram de emendas constitucionais para instituir benefícios que, se concedidos por lei ordinária, seriam vetados pelo presidente da República, enquanto elas são promulgadas pelo Congresso. Foi assim na emenda que estendeu a igualdade de direitos trabalhistas para empregados domésticos. Costu­ma-se desprezar o interstício, aprovan­do-se a matéria em segunda votação poucas horas depois da primeira. Houve decisão que durou apenas alguns segundos. Uma barbaridade.

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Agora, a Câmara se valeu dessa artimanha para aprovar um trem da alegria, previsto na PEC 14/2021. Concedeu aposentadoria integral para agentes de saúde e endemias, cujos rendimentos serão reajustáveis nas mesmas bases dos funcionários da ativa. Tais servidores foram contratados por estados e municípios, geralmente sem a realização de concurso público. O benefício poderá ser concedido aos 57 anos para mulheres e 60 anos para homens, diferentemente dos 62 e 65 anos fixados, respectivamente, pela reforma previdenciária.

Esses funcionários são relevantes para o Sistema Único de Saúde, mas isso não justifica os absurdos privilégios. A Confederação Nacional dos Municípios calcula que a medida poderá custar 70 bilhões de reais para os regimes próprios dos municípios. O governo federal estima um déficit atuarial de 800 bilhões de reais ao longo dos próximos cinquenta anos. Não satisfeito com o trem da alegria, o relator foi mais longe. Anunciou que “nenhum prefeito e governador pagará nada. Estará tudo arcado pela União”. Quanta irresponsabilidade! O Senado tem o dever de restabelecer a moralidade e rejeitar essa proposta.

Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969

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