Décimo maior colégio eleitoral do país, com 5,5 milhões de votantes, Santa Catarina está politicamente cada vez mais inclinada à direita. Além de nunca ter sido governado pela esquerda, o estado não escolhe um senador de esquerda desde 2002, com Ideli Salvatti (PT). Na eleição de 2022, elegeu o governador Jorginho Mello (PL) com 71% dos votos e formou amplas bancadas conservadoras de deputados estaduais e federais, além de ter levado o ex-ministro Jorge Seif (PL) ao Senado. Nas últimas corridas presidenciais, sete em cada dez escolheram Jair Bolsonaro, o que deu ao eleitorado catarinense a fama de ser um dos mais bolsonaristas do país. Por ironia, um desejo do ex-presidente — o de que o filho Carlos se torne senador pelo estado — mergulhou a direita local e antigos aliados em uma crise sem precedentes a quase um ano das eleições.
O nó da discórdia é o fato de a chegada do forasteiro ter colocado em risco o espaço de aliados. Jorginho Mello e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, já tinham acertado que uma vaga na chapa ao Congresso seria do PL e a outra, do senador Esperidião Amin (PP), que vai tentar um novo mandato. A candidata do PL seria a deputada federal Caroline De Toni, aliada de muito tempo do bolsonarismo. Para dar espaço a Carlos, no entanto, ela passou a ser descartada pelo governador e por Valdemar, que pretendem manter o acordo com o PP e Amin. A opção, no entanto, descontentou o clã Bolsonaro e uma boa parte de seus apoiadores. Por isso, a família começou a apostar na dobradinha Carlos-Caroline — que tem até nome (“Car-Car”). Nessa hipótese, quem ficaria de fora é Amin.

Desde então, a confusão só aumenta. “Neocatarinense”, o fluminense Carlos está circulando pelo estado em busca de votos (percorreu mais de uma dezena de cidades nas últimas semanas), quase sempre com Caroline a tiracolo. “Como conversamos desde o início e temos repetido de forma quase que diária e é de conhecimento de todos, os pré-candidatos de Jair Bolsonaro ao Senado Federal são Carol e Carlos Bolsonaro”, postou o Zero Dois na segunda 3.
A resistência à “chapa pura” do PL, porém, mobiliza o entorno de Jorginho. Candidato à reeleição, o governador precisa manter a base da Assembleia Legislativa, pulverizada por quase uma dezena de siglas, entre elas o PP. Mais que isso: ele corre para consolidar o apoio do maior número de partidos, pois há o risco de perdê-los para uma candidatura de oposição no mesmo campo conservador, a do prefeito de Chapecó, João Rodrigues (PSD), que administrou a sexta maior cidade do estado por quatro mandatos, foi deputado estadual e federal e aparece competitivo em pesquisas para o governo.
Diante da resistência à aceitação da chapa Car-Car, Caroline já ameaçou deixar o PL e ir para o Novo. Outro ponto que elevou a fervura nos últimos dias foi a ofensiva da deputada estadual Ana Campagnolo, a mais votada em 2022 (quase 200 000 eleitores) e nome importante do PL catarinense, com o apoio de muitos prefeitos. Para ela, a imposição de Carlos vai tirar do PL a deputada federal mais votada — Caroline teve 227 000 votos. “O ex-presidente, em nome da sobrevivência de sua família na política, impõe ao estado mais ideológico do Brasil a aceitação passiva de uma pré-derrota ao desprestigiar De Toni para dar lugar ao seu filho”, disse.

As críticas foram largamente encampadas nas redes sociais e irritaram o clã Bolsonaro. “Vou ser direto: as declarações são totalmente inaceitáveis. Na forma, por terem sido feitas em público. No conteúdo, por se insurgirem contra a liderança política que a projetou”, disse o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-RJ). “Carlos chega como uma indicação direta de Jair Bolsonaro, o que merece total consideração, confiança e lealdade de todos. Sim, sem questionamentos ao nosso maior líder”, ecoou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro disse que apoiará Caroline mesmo que ela saia do PL. “Estou fechada com Carol De Toni, independentemente da sigla partidária”, postou. O filho Zero Quatro, Jair Renan, que é vereador em Balneário Camboriú e deve tentar vaga de deputado federal por Santa Catarina, publicou uma série de vídeos de Carlos e Caroline juntos. “Essas são as minhas escolhas”, escreveu.
O esforço do ex-presidente Jair Bolsonaro para eleger Carlos tem um objetivo mais amplo (conquistar maioria para a direita no Senado) e um mais particular: fortalecer o poder da família em um momento difícil para ele. O plano era emplacar Michelle, Carlos, Flávio e Eduardo na Casa Alta do Congresso, mas isso está cada vez mais complicado. Eduardo, que era favorito a uma vaga por São Paulo, está praticamente fora do páreo para qualquer cargo, em razão do autoexílio nos EUA, de onde arrumou confusão com a Justiça e com aliados políticos. Flávio lidera as pesquisas no Rio, mas não deverá ter uma disputa fácil. Michelle é hoje quem tem a perspectiva mais tranquila de vitória, pelo Distrito Federal. Já Carlos Bolsonaro, que há sete mandatos consecutivos é vereador no Rio de Janeiro, vai testar a sua força eleitoral fora de casa. Pode até se eleger, mas com certeza não será com pouco barulho.
Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969