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Meus livros, meu tesouro

No final de meu primeiro ano escolar, em um colégio público, tive boas notas e a professora me presenteou com um livro. Era Simbad, o Marujo, e eu li, gostei e nunca esqueci. Minha família não tinha o hábito da leitura. Meu pai, ferroviário, minha mãe, comerciante e dona de casa. Foi uma surpresa quando descobriram que havia um menino diferente na família. Um garoto que gostava de ler. E que, no aniversário, queria livros de presente. Sabiamente, me deram, a partir dali, todas as obras que podiam. Não eram muitas, porque o dinheiro era escasso. Mas todo mês eu tinha direito a comprar um novo exemplar. Descobri também a biblioteca pública e me tornei freguês! Assim, não me faltaram livros para ler.

Houve momentos de escândalo, como quando emprestei da vizinha os volumes das Mil e Uma Noites. Eram livros ricamente encadernados, que ela comprara para enfeitar a sala. Mas era, digamos, uma versão adulta, com detalhes hard core. Minha mãe descobriu (de repente meu interesse pela leitura tornou-se excessivo), proibiu-­me de continuar a ler. Mas, para minha surpresa, em breve ela e as amigas trocavam os livros entre si, com risinhos escandalizados. Foi a primeira vez que senti, realmente, uma imensa revolta juvenil.

“Amar as obras me formou como pessoa, pavimentou meu caminho para a vida”

Minha paixão pelos livros começou quando emprestei Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, de uma amiga. Hoje, o escritor é muito criticado pela maneira como trata o personagem de Tia Nastácia, sem dúvida racista. Mas devo muito a ele. Foi após a primeira leitura de Reinações que eu anunciei: “Quero ser escritor!”. A família me avisou que a profissão era insegura, “melhor prestar concurso público”. Mas eu tinha definido, já aos 11 anos, qual seria meu futuro: escrever! Amar os livros me formou como pessoa, pavimentou meu caminho para a vida. Mas há um segredo.

Hoje em dia se fala muito em como incentivar crianças e jovens a ler. Acho que uma boa maneira é se espelhar no meu caminho. Como meus pais não eram grandes intelectuais, nem viviam agarrados a teorias sobre educação, simplesmente me deixavam ler o que eu quisesse — exceto pelo escândalo das Mil e Uma Noites, mas foi exceção. Então, para mim, a leitura transformou-se em uma diversão, uma maneira de viver aventuras com as quais nem sonhava, conhecer mundos diferentes, sentir emoções de personagens distantes de meu cotidiano de garoto do interior de São Paulo. A leitura só me fez crescer como pessoa e me formou como indivíduo. Principalmente, me fez pensar. Existe melhor escola do que aprender a pensar?

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Não há fórmula para “ensinar” alguém a gostar de ler. Para gostar de um livro, a pessoa precisa apaixonar-se pelo tema, pela narrativa, rir ou chorar com o conteúdo. Mas quem gosta de um livro lerá outro. E outro e outro… até descobrir que um livro é o portal para outros mundos, outras vidas e emoções. Foi o que aconteceu comigo. Se eu não gostasse de ler, de uma coisa tenho certeza: eu não seria eu.

Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969

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