Enquanto líderes mundiais discutem em Belém caminhos para conter o aquecimento global, o Brasil foi palco, na sexta-feira (7), de um evento climático extremo: um tornado devastador atingiu o município de Rio Bonito do Iguaçu, no centro-sul do Paraná, deixando um rastro de destruição e lembrando que as mudanças do clima não são uma abstração, mas uma realidade já presente no território nacional.
Casas foram destruídas, carros arremessados, árvores arrancadas pela raiz e postes de energia retorcidos. O Simepar (Sistema de Meteorologia do Paraná) estima que os ventos chegaram a 250 km/h, com base nos danos observados, o que classificaria o fenômeno como F2 ou F3 na escala de Fujita.
Pelo menos seis pessoas morreram e mais de 400 ficaram feridas, segundo a Defesa Civil estadual. A área mais atingida, de cerca de 10 quilômetros de extensão, ficou completamente devastada — um cenário que moradores compararam a “um bombardeio”.
Para Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, o tornado no Paraná deveria servir como um chamado de emergência dentro da COP30 — e não apenas como um episódio isolado de tragédia climática.
“O que aconteceu agora na região central do Paraná, que é triste e grave, deveria mobilizar, sensibilizar — na verdade, deveria criar um ambiente de desespero mesmo, de urgência”, afirma.
Astrini lembra que o evento se soma a uma sequência de desastres climáticos que vêm atingindo o Brasil e o mundo nos últimos anos.
“É mais uma repetição do que vimos em 2023 e 2024, com as enchentes no Rio Grande do Sul, os deslizamentos em São Sebastião e Petrópolis, as tragédias no Norte de Minas, em Recife, no sul da Bahia. E isso não é exclusividade do Brasil — o Paquistão, por exemplo, que ficou um terço submerso em 2022, voltou a enfrentar grandes cheias agora; a Somália vive crise humanitária por secas e inundações, e o Japão e o Nepal registram recordes de temperatura.”
Segundo ele, a contradição central é que a conferência, voltada justamente a enfrentar essas crises, nem sempre se deixa tocar pela realidade que está do lado de fora.
“Tudo isso deveria entrar para dentro da conferência do clima, mas muitas vezes o que a gente vê é uma reunião impermeável a esse mundo real”, diz Astrini. “É uma contradição enorme: trata-se de uma cúpula para resolver os problemas que estão impactando o planeta, mas o planeta, que está agonizando, nem sempre consegue sensibilizar as negociações lá dentro.”
Astrini ressalta que países como o Brasil — cuja agricultura, geração de energia e segurança alimentar dependem da regularidade climática — deveriam usar o episódio como exemplo concreto de urgência.
“Países e negociadores precisam dar mais sensibilidade a essa situação. O caso do Paraná é simbólico e deveria ser citado pelo presidente Lula na abertura da COP, no dia 10. Esperamos que essa tragédia ajude a trazer o mundo real para dentro da conferência.”
A diretora executiva do LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action), Caroline Rocha, afirma que o tornado no Paraná é um exemplo concreto do efeito catalisador que o aquecimento global exerce sobre os fenômenos naturais.
“A questão da mudança do clima não é sobre a sensação térmica que temos no dia a dia”, explica Rocha. “O problema é que, quando aquecemos a atmosfera, colocamos um catalisador extra nas reações físico-químicas e biológicas, e isso gera eventos extremos cada vez mais intensos e frequentes.”
Para ela, o que aconteceu em Rio Bonito do Iguaçu “vai se repetir em vários lugares do mundo, com muito mais frequência e impacto do que estamos acostumados a ver”.
“Esse tornado só reforça a importância e o simbolismo de ter uma COP no Brasil, e especialmente na Amazônia”, diz. “Quando falamos em mudanças do clima, estamos falando de pessoas sendo afetadas todos os dias.”
Rocha destaca ainda que a crise climática atua como uma lente de aumento sobre desigualdades históricas.
“A mudança do clima traz uma grande lupa para desigualdades já existentes”, afirma.
“As populações em situação de vulnerabilidade vão ficar ainda mais vulneráveis. E, se não acelerarmos a transição energética e a redução do uso de combustíveis fósseis, vamos continuar vitimizando justamente as pessoas que menos contribuíram para a crise que vivemos hoje.”
Segundo ela, é urgente construir um “mapa do caminho” da transição justa, com metas claras e compromissos verificáveis.
“Levamos mais de 200 anos para chegar a uma economia altamente dependente de carbono — não podemos levar outros 200 para sair dela”, diz. “Precisamos de um road map dessa transição, e é isso que a sociedade civil deve pressionar as partes da Convenção do Clima e do Acordo de Paris a assumirem, se não nesta COP30, na próxima COP31.”
A formação do tornado foi resultado da combinação de ar quente e úmido vindo do Norte com uma frente fria intensa avançando pelo Sul, sob forte instabilidade atmosférica. Essa interação criou as chamadas supercélulas, nuvens de rotação violenta capazes de gerar tornados e granizo de grande porte.
O fenômeno surpreendeu até meteorologistas experientes, por ocorrer em uma região onde tornados são conhecidos, mas raramente tão potentes. Segundo a MetSul Meteorologia, trata-se “de um dos eventos mais intensos já observados no estado em décadas”.

A escalada dos extremos no clima brasileiro
Embora ainda não haja consenso científico sobre a ligação direta entre mudanças climáticas e tornados, especialistas alertam que o aquecimento global intensifica os fatores que favorecem tempestades severas.
Com temperaturas mais altas, a atmosfera retém mais vapor d’água e acumula mais energia — combustível para eventos violentos como tempestades, vendavais e enchentes repentinas.
Nas últimas décadas, o Brasil tem registrado aumento na frequência e na intensidade de desastres climáticos, incluindo ondas de calor recordes, secas prolongadas na Amazônia e no Centro-Oeste, chuvas torrenciais no Sudeste e fenômenos severos no Sul.
Em estados como o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, corredores de instabilidade cada vez mais intensos têm produzido episódios de vento destrutivo e granizo em série, um padrão que meteorologistas associam a um clima mais aquecido e desequilibrado.
Os cientistas ressaltam que eventos como o tornado de Rio Bonito do Iguaçu — embora isolados — ilustram a vulnerabilidade crescente das cidades brasileiras diante de extremos meteorológicos. Pequenos municípios, em especial, sofrem mais com a falta de infraestrutura, planos de emergência e sistemas de alerta eficientes.
Um país dividido entre discursos e realidades
O desastre no Paraná ocorre no mesmo momento em que o Brasil tenta se posicionar como liderança global na agenda climática durante a COP30.
Enquanto o presidente Lula e outros chefes de Estado debatem metas de descarbonização e financiamento verde, a tragédia em Rio Bonito do Iguaçu funciona como um lembrete brutal: a transição climática precisa ser acompanhada de adaptação e resiliência local.
Nos próximos dias, autoridades do estado e especialistas em meteorologia devem divulgar um relatório detalhado sobre a intensidade do tornado e as condições que levaram à sua formação.
Mas independentemente do número final na escala Fujita, o fenômeno já se tornou símbolo de um Brasil que sente os efeitos de um planeta em aquecimento.
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AGORA | Tornado arrasa com município paranaense de Rio Bonito do Iguaçu. Vários prédios e casas vieram abaixo. Há relatos de pessoas soterradas. Equipes de emergência atuam no resgate. Saiba mais do tornado em <a href=”https://t.co/cCRIo33YAN”>https://t.co/cCRIo33YAN</a>. <a href=”https://t.co/tyXYYehXTN”>pic.twitter.com/tyXYYehXTN</a></p>— MetSul.com (@metsul) <a href=”https://twitter.com/metsul/status/1986941160850591873?ref_src=twsrc%5Etfw”>November 7, 2025</a></blockquote> <script async src=”https://platform.twitter.com/widgets.js” charset=”utf-8″></script>